A especulação é uma só: o que estaria por trás das declarações bombásticas e nada cautelosas do vice-presidente Michel Temer, feitas anteontem (3/9) a um grupo de empresários e ativistas de oposição?
Temer não poupou palavras ao dizer que acha difÃcil Dilma "resistir três anos com popularidade tão baixa" e que seu mandato estará ameaçado caso a situação polÃtica e econômica não melhore até meados de 2016. Reiterou que alguém precisa surgir para "reunificar o PaÃs", mas não apontou quem poderia desempenhar este papel nem se ofereceu, por não querer parecer "oportunista".
No dia seguinte, o ministro da Comunicação, Edinho Silva, veio a público esclarecer que as palavras do vice-presidente foram descontextualizadas, que ele não disse o que acharam que disse e que sua lealdade ao governo é inquestionável. "Mais que uma frase ou outra que geralmente é utilizada e que gera polêmica, para nós o fundamental tem sido a postura do vice-presidente Michel Temer. E, nesse sentido, ele tem sido extremamente leal, correto, não só com o governo da presidenta Dilma, mas leal e correto com os interesses do paÃs", afirmou.
Seja como for, a impressão generalizada é que o vice-presidente tentou ciscar para dentro e para fora: mostrar lealdade a Dilma sem deixar de cortejar a oposição e de acenar para ela com um esboço de solução. Quis fixar com clareza que é do governo mas tem voo próprio.
A questão é saber se sua manobra é factÃvel e se angariará apoio e seguidores. A polarização atual torna difÃcil que se cisque para os dois lados ou se fique em cima do muro. Temer, além disso, não é propriamente um estadista, um polÃtico de gestos simbólicos fortes, com uma biografia mÃtica, imagem consolidada e discurso emblemático. Não é Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Também não é Lula, que quando em boa forma conseguia levantar multidões.
Temer é tão somente vice-presidente de um governo sem rumo e um dos principais próceres do PMDB, partido que não mais tem vocação unificadora ou pegada "nacional-popular". Não é pouco, mas não parece suficiente para impulsionar uma operação complexa como a de encontrar um modo de desatar o nó da crise nacional.
Resta a Temer fazer o mais decisivo: convencer a população de que é uma boa opção e trazer para seu lado as oposições, antes de tudo o PSDB.
No primeiro caso, precisará pensar em cidadãos que estejam além dos ativistas que vêm enchendo a Av. Paulista para protestar contra o governo. Terá de fazer como Joaquim Nabuco na campanha abolicionista: "ter resolução ou vontade de romper as ficções de um parlamentarismo fraudulento, como é o nosso, para procurar o povo nas suas senzalas ou nos seus mocambos e visitar a nação no seu leito de paralÃtica". Em suma, falar com os milhões de brasileiros, para o quê lhe faltam instrumentos associativos, pontes de acesso e projeto.
No caso das oposições, precisará antes de tudo unificá-las e dar-lhes um discurso claro e coeso, que é o que mais falta. Entre tucanos "radicais" pró-impeachment e tucanos "moderados" há um mar a ser atravessado. Se Temer conseguir caminhar sobre as ondas, poderá despontar como um estadista que ajudou a encontrar uma solução e "salvar" o PaÃs. Se fracassar, terá de se conformar com a posição de vice de um governo a que aderiu por erro de cálculo e que, ao soçobrar, o arrastará consigo para as águas do oceano profundo.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria PolÃtica da Unesp.