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Lava-Jato: dois anos de uma operação vital

Lúcio Flávio Pinto - Abril 2016
 

A Operação Lava-Jato completou dois anos no dia 17 de março. Talvez nenhum juiz tenha dado tantos despachos e decisões num único processo em toda história do poder judiciário nacional quanto Sérgio Moro.

Das suas centenas ou milhares de decisões foram apresentados pelo menos 413 recursos pelas defesas dos indiciados, réus ou condenados. Apenas 16 reclamações da defesa (aproximadamente 3,8% do total) foram recebidas pela justiça de segundo grau total ou parcialmente, sendo o Supremo Tribunal Federal a instância final da maioria dos pedidos.

Foram negados 313 recursos, 76% do total. Ainda tramitam pela instância recursal 85 habeas corpus, alguns deles apresentados ao mesmo tempo em que eram protocolados recursos ordinários contra as mesmas decisões.

São dados surpreendentes, espantosos e admiráveis. Sob a batuta do juiz Sérgio Moro não há lentidão nem protelações. Ele produz com uma velocidade rara e uma firmeza excepcional. Suas derrotas não chegam a 4%. Excluindo-se matéria pendente, suas vitórias representam 96%. Não me lembro de ter existido juiz igual.

Vários dos seus atos são polêmicos e geram reações desencontradas. Mas eles podem ser consultados pela internet, uma prerrogativa única e absolutamente democrática que ele criou e manteve, a despeito do desejo de muitos de impor segredo de justiça a processos tão graves.

Quem se der ao trabalho de ler o que Moro assinou, certamente com base nos trabalhos de investigação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, além dos pareceres dos seus assessores, haverá de verificar que ele sabe o que está fazendo. E só faz com segurança e conhecimento.

Esta á a questão: diante desse histórico, como acusá-lo de fazer o jogo do PSDB, de ter interesse pessoal na causa, de querer se celebrizar tomando Lula por escada, de substituir o rigor do julgamento por uma subjetividade suspeita?

Se tudo isso fosse verdade, a Operação Lava-Jato não teria avançado tendo contra si alguns dos mais poderosos empresários e caríssimos escritórios de advocacia por eles contratados para defendê-los. Um STF formado em sua esmagadora maioria nos governos petistas, se encontrasse fundadas razões, o teria barrado. Não tendo podido fazê-lo, agora não pode mais voltar atrás. Referendou o percurso feito.

A teoria da conspiração é muito fácil de usar, mas até agora não dispôs de terreno sólido para lançar suas fundações. E isso é grave - porque se aproxima o momento em que um ex-presidente da república será indiciado, deixando de ser testemunha para se transformar em réu, na iminência de vir a ser condenado e, quem sabe, submetido à pena de prisão por corrupção.

Isso não é galardão: é uma chaga e uma mácula. Melhor seria se ela fosse simplesmente fictícia - e não é. Detonará uma crise de desdobramentos imprevisíveis. Crise que pode ser devastadora, mas também rejuvenescedora, fortalecedora.

A equipe da Lava-Jato avançou demais, como jamais se imaginou que aconteceria. Se não tiver provas para sustentar suas teses de acusação já formuladas, não apenas se desmoralizará: lançará no buraco do descrédito os agentes públicos encarregados de atuar na repressão a crimes (em especial, como novidade na vida institucional do país, os de colarinho branco) e como fiscais da lei. Será um retrocesso na democracia brasileira. Por outro lado, flagrados como levianos, os homens da maior operação anticorrupção da história brasileira pavimentarão o caminho de volta ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva. Isso, exatamente quando, para o bem da democracia brasileira (e da própria vida econômica e social do país), se tornou fundamental a alternância no poder político.

Uma era que se exauriu, não só na corrupção, mas na incompetência administrativa, irá readquirir força artificial para se manter, sem que se saiba aonde levará a nação. Tendo esgotado tudo que podia fazer, sobraram problemas e mais problemas para serem resolvidos - certamente, de outra maneira.

O momento é grave. Tão grave que dispensa fanatismos, idiotias, cientificismo barato e voluntarismo cego. De várias alternativas de rumos, a maioria delas é ruim - e se tornará inevitável se os brasileiros se deixarem levar por conversa fiada e falsos profetas.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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