O que é o Estado? A quem ele serve? Durante séculos os teóricos da polÃtica respondem a tais questões de diversas formas. No entanto, algo parece ser consensual na história do pensamento polÃtico: o Estado em todas as suas formas históricas teria como caracterÃstica principal o elemento da força. De Hobbes a Max Weber, de Marx a Gaetano Mosca, todos concordam que a constituição estatal exige um núcleo de onde emana a coerção e a violência como forças legÃtimas. Resta-nos perguntar em favor de quê ou de quem se empregam estas forças.
Marx pensou o Estado não como a sÃntese perfeita da vontade universal, como fez seu compatriota Hegel. Ao contrário, o filósofo comunista envolveu o momento estatal em um adjetivo de classe. Isto é, ele serviria como garantia de dominação de uma classe sobre as outras, sendo tão somente o "comitê executivo das classes dominantes". A violência estatal legitimada do Estado capitalista, por exemplo, serviria para manter o domÃnio burguês.
No seu tempo, o autor de O capital estava correto, já que a participação popular nas decisões de poder era mÃnima. Quando o Manifesto foi escrito, sequer existiam os partidos polÃticos.
Mas a luta dos subalternos alterou essa realidade, produzindo uma série de espaços que incentivam a socialização do poder, como o aparecimento do parlamento democrático, o sufrágio universal e a mÃdia plural. A partir de então, não bastaria a força e a dominação, exige-se a construção de consensos. Marx não viveu para ver esta extraordinária ampliação do momento estatal, por isso sua teoria revolucionária como assalto violento ao poder se torna desatualizada.
O marxismo democrático, então, se inscreve em uma tradição de corte reformista, exposta brilhantemente na obra de Antonio Gramsci, e politicamente desenvolvida, sobretudo, a partir da proclamação por Enrico Berlinguer da democracia como valor universal, não mais de classe. A democracia ganha status de conquista civilizatória que supera interesses classistas particulares.
O reformismo, aqui, deve ser visto não como pequenas alterações na ordem, mas sua transformação estrutural. Reformar o Estado e a polÃtica pode apontar na direção de outra ordem social, porém os rumos desta construção devem observar as regras da democracia e manter um clima pacÃfico.
A social-democracia, portadora natural do projeto reformista, foi capaz de estabelecer conquistas importantes para os trabalhadores no quadro do capitalismo, mas sua atuação na Europa foi insuficientemente reformista, recuando sempre quando o ritmo das reformas entrava em choque com a ordem do capital. Seu exemplo, no entanto, confirma a tese de que somente caminhando pelas instituições e em espÃrito irrevogavelmente democrático é possÃvel pensar em mudanças seguras e consistentes.
O reformismo que dialoga com a teoria revolucionária é aquele que opera ações graduais no campo democrático, sempre pluralista e formador de consciência coletiva, indo pela estrada de transformações na cultura, diminuindo cada vez mais os valores que se chocam com a civilização e fortalecendo conquistas de corte humanitário e em consonância com a luta contemporânea por mais justiça. Este desafio, nos nossos tempos, passa pela construção de uma esquerda democrática, um desafio atual que ainda aguarda seus frutos.
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Adelson Vidal Alves é historiador.
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