José Antonio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos (orgs.).
As esquerdas e a democracia. BrasÃlia:
Fundação Astrojildo Pereira/ Ed. Verbena, 2017.
O livro em questão é uma importante contribuição para um debate que tem sido imprescindÃvel para a reconstituição do pensamento de esquerda no Brasil e no mundo: como avançar agendas de reformas sociais e econômicas, e, ao mesmo tempo, expandir as instituições democráticas?
A ligação entre democracia e socialismo sempre foi um tema incômodo para as esquerdas. Neste centenário da revolução russa, podemos relembrar várias experiências de construção do socialismo que terminaram gerando burocracias despóticas e ideias polÃticas que desprezaram a importância da democracia e suas instituições.
Por outro lado, onde a esquerda abraçou a democracia, como é o caso da social-democracia europeia, o Ãmpeto revolucionário acabou arrefecido por uma visão hegemônica que, se construiu um estado de bem-estar social e favoreceu a moderação na polÃtica, por outro lado há décadas vem apresentando visÃveis sinais de estagnação e esgotamento. Como então navegar entre a tentação de instrumentalizar os processos democráticos e, ao mesmo tempo, resistir ao apelo à acomodação vindo do ethos das democracias contemporâneas? E mais: como incorporar certos elementos tradicionais do discurso liberal - como os direitos civis e polÃticos - e manter a identidade de esquerda, sem render-se à lógica triunfante dos mercados globalizados?
São tais desafios que os textos que compõem o livro ajudam a enfrentar, ao iluminarem especificamente o caso brasileiro. A escolha de "as esquerdas" no tÃtulo, ao invés de "a esquerda", não é um mero detalhe. A diversidade de esquerdas, antes entendida como um problema, agora se torna um incentivo para um debate que não se volta mais para definir quem é a "verdadeira esquerda", mas para reconstituir o pensamento da esquerda em sua pluralidade.
Fazem parte da coletânea temas cruciais para esta reconstrução. Basta pensarmos na questão da modernização do estado brasileiro, que envolve a superação da nossa tradicional cultura patrimonialista, a definição de fronteiras mais visÃveis entre o público e o privado, e o próprio papel do estado enquanto estimulador do desenvolvimento econômico e social do paÃs. Se antes qualquer questionamento do estado, de seu "tamanho" ou funções era tido como anátema, atualmente tal discussão tornou-se mais que imprescindÃvel nas esquerdas brasileiras.
O futuro polÃtico dos partidos polÃticos da esquerda brasileira é outro tema central abordado nesta coletânea. Os dois principais partidos que disputavam a hegemonia no campo da esquerda e da centro-esquerda brasileira, e que se revezaram no poder nas últimas duas décadas, mostram sinais de declÃnio polÃtico. Tanto o Partido dos Trabalhadores (PT), como o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) cederam à corrupção e a práticas patrimonialistas tradicionais, o que colocou suas identidades em xeque e abriu espaço para um possÃvel protagonismo de outras correntes de esquerda que vierem a surgir no horizonte polÃtico brasileiro.
Daà a indagação que perpassa vários textos da coletânea: como evitar que uma esquerda renovada repita a tradicional forma de se fazer polÃtica no Brasil? Em tempos de polarização polÃtica, crise econômica e descrença nos polÃticos, como os que estamos vivendo atualmente no Brasil, a reflexão empreendida neste livro certamente contribuirá para o debate sobre o papel que as esquerdas devem desempenhar no cenário polÃtico nacional.
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Professor associado do Instituto de PolÃtica da UnB