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A pergunta que não quer calar

Luiz Werneck Vianna - Julho 2021
 



A saída, onde é a saída?, a pergunta dos que padecem dos males do pandemônio que nos acomete com fúria não encontra quem indique uma informação útil. Aqui e ali surgem vozes com a sabedoria cediça dos velhos do Restelo que nos aconselham a esperar pelo bom tempo, a decifrar o movimento das nuvens em busca de sinais benfazejos. Aos que acorrem às ruas, principalmente os jovens que imprecam contra a má sorte que o destino lhes reservou, cabe o retorno às suas atividades on line por falta de outras alternativas de ação até que próxima manifestação lhes devolva o sentido da vida. Da política, lugar de organização de um projeto comum, só nos vêm os cálculos dos que cogitam das oportunidades para o poder, o centro político, um lugar que foi de Tancredo e de Ulysses no alvo de políticos sem as credenciais necessárias para sua representação, embora apenas dela possam provir as palavras que orientem e organizem nossas ações.

Decerto que a degradação continuada do governo Bolsonaro abre um atalho que pode facultar a irrupção de um impeachment, mas não se deve confiar nisso com o parlamento que aí está. As infaustas circunstâncias atuais parecem apontar que a sucessão presidencial seja a hora e a vez para que o país se livre do pesadelo que o atormenta. Na aparência, uma solução fácil que reclamaria apenas as virtudes da paciência das forças democráticas para se fazer efetiva; contudo, vista de perto, plena de dificuldades que somente ações políticas bem concertadas podem evitar. Engana-se quem imagina como destituídas de poder e influência as classes sociais e as frações das elites políticas que atuaram decisivamente em favor do sucesso eleitoral da candidatura Bolsonaro. Elas não só garantiram sua presença dominante na sociedade como expandiram em muitas vezes seu poder, removendo obstáculos institucionais que travavam a aceleração capitalista por meio das reformas na legislação protetora do trabalho e da remoção das agências de proteção ao meio ambiente, deixando-o à mercê das investidas do agronegócio, hoje o carro-chefe do capitalismo brasileiro.

A coalizão responsável pela vitória eleitoral de Bolsonaro, embora não disfarce seu mal-estar com o estilo truculento e grosseiro na presidência da República, segue perfilada a ele em razão de encontrar nele as possibilidades de realização do seu antigo projeto de submeter a sociedade à lógica de um capitalismo sem freios sociais e políticos. No caso, é preciso corrigir a postura dos que concebem o Centrão como um setor inarticulado de políticos à deriva, disponíveis a quem os agraciar com benesses e prebendas. Na verdade, bem mais que isso, esse bizarro agrupamento político é constituído por setores retardatários do capitalismo brasileiro que visam sua conversão, pelas vias do Estado, em potentes players do mundo dos negócios, como ilustra, entre tantos outros, a trajetória de Ricardo Barros, expoente do Centrão, líder do governo na Câmara dos Deputados, que descobriu o filão da indústria de medicamentos quando esteve à testa do Ministério da Saúde.

Assim, o amálgama que suporta o atual governo se constitui a partir dos grossos interesses já existentes e dos futuros que medram a partir de políticas de Estado que viabilizam sua projeção, casos conspícuos os negócios da saúde e da mineração, essa última bafejada pelo garimpo ilegal em regiões de fronteira, amparado por políticas governamentais que destituem de poder os órgãos de proteção ambiental. Tal armação se encontra escorada em apoios de setores fundamentalistas de cultos religiosos, alguns agentes de prósperos negócios capitalistas e numa escória que se organizou em milícias acumpliciadas à chamada banda podre do aparelho judicial, que mantém sob vassalagem vastos territórios das periferias de grandes metrópoles, como no caso do Rio de Janeiro.

Derrotar essa mal-arranjada geringonça em que se apoia o governo Bolsonaro reclama um trabalho de Hércules das forças democráticas, ainda dispersas e sem projeto comum, como se estivesse na expectativa de que o governo venha a se arruinar por suas próprias obras. A gravidade da hora presente reclama ações, procrastiná-las a pretexto de que ainda estamos distantes da sucessão de 22 somente incentiva a fragmentação do campo democrático, alimentando pretensões presidenciais no seu interior que minam as possibilidades da sua concretização. Para que haja ação é necessário um ator, individual ou coletivo, e o mais apto para deslocar os males que nos afligem será aquele capaz de reunir todos os que querem ver pelas costas o malsinado governo que aí está.

Em política, o tempo, com frequência, é uma variável decisiva, e não se pode permitir que ele se esvaia das nossas mãos. Para a conformação do ator democrático, o tempo é o de agora com a exposição pública da perversa política do governo para o enfrentamento da pandemia, tal como evidenciada no curso da CPI que se dedicou ao tema aos olhos de todos, mais uma intervenção ruinosa que se soma aos desastres ambientais, ao abandono das instituições científicas, das educacionais e culturais e de tudo que guardava a promessa de nos fazer uma nação mais justa e menos desigual.

Se for o caso, podemos esperar, mas se formos bem-sucedidos agora, na elaboração do ator que agirá em nosso nome, pode ocorrer que se encontrem modos mais breves que nos aliviem da insuportável carga que pesa sobre nossos ombros.

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Sociólogo, PUC-Rio

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Observador político 2021




Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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