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Moacyr Félix, paixão e utopia

Carlos Lima - Novembro 2005
 

Faleceu no dia 25 de outubro de 2005, aos setenta e nove anos, o poeta e cidadão Moacyr Félix de Oliveira, autor de 13 livros de poesia. Poesia esta que sempre manteve no seu cerne a indignação contra a vida miserável, contra os donos do poder, que mantêm acorrentados os homens ao mais insano sistema de produção de barbárie que a humanidade jamais conheceu. Moacyr foi um combatente, um gladiador ético-político da luta por uma sociedade mais justa e um mundo melhor.

A poesia de Moacyr e o homem Moacyr eram a síntese materializada da utopia concreta do socialismo, que viria resgatar, no homem, o homem-humano num mundo humanizado. Moacyr foi poeta e militante da poesia, e junto com Ênio Silveira, através da editora Civilização Brasileira e do CPC da UNE, editou no início dos anos 60 a mais importante coletânea de poesia brasileira daquela época, os Violões de Rua. Esta militância poética o levaria a editar mais de 100 livros de poetas, através da Editora Civilização Brasileira. Foi, também, o editor da mais importante revista nos anos sessenta, a Revista da Civilização Brasileira, que serviu de abrigo intelectual e foi o primeiro foco da resistência cultural nos anos em que se instalou a ditadura militar no Brasil. Ainda no final dos anos 90, Moacyr editou pela Funarte uma da melhores antologias do atual período da poesia brasileira: 41 Poetas do Rio.

Moacyr viveu esta utopia sempre ao lado da sua apaixonada Birgitta (Kaj), e quando esta o deixou, com seu falecimento em 2003, começou a dar sinais de que a vida, apesar dos filhos e dos netos, já não tinha tanta importância para ele, sem a sua companheira de mais de 50 anos. Se existem as galáxias amorosas, e certamente elas existem, eles estarão na sua órbita. Ficam para nós, seus filhos, netos, parentes e amigos, a saudade da sua presença, e estes seus versos tão precisos na sua poética do desespero: "O poeta é, tem que ser, um destruidor de destinos./ O poeta é, tem que ser, um destruidor de mitos./ O poeta é, tem que ser, um destruidor de certezas/ porque ele traz o salto e não a pausa/ porque ele traz a luta e não a trégua/ nesta floresta de vidas e coisas transformadas/ em isca para a fome dos tigres amestrados/ do homem que tem dinheiro e compra/ o poder de usar a humanidade inteira/ de outro homem, de todos os outros homens".

Dedicamos a Moacyr o poema a seguir, "Melancolia de esquerda", que reflete de forma bastante corrosiva a situação atual dos que pensam que a utopia socialista ainda continua a ser uma possibilidade efetiva para solucionar os impasses que a humanidade atravessa nos dias de hoje: "O poder é a pornografia da verdade / é a contravenção da sabedoria / é a legitimação da morte. / O poder faz do homem o pior dos últimos homens / é a mentira e a impotência diante da beleza / é a vilania da alma e a moral da imoralidade. / O poder só legitima os escravos do poder / é selvagem como um onagro cego / é a insensatez e só vê utilidade na sua inutilidade / é a perversão da vida verdadeira. / O poder é a selva selvagem da irracionalidade / é a cloaca que afoga o mundo nas suas fezes universais. / O poder põe ovos de serpente em todos os sonhos / A razão da utopia é querer apenas o poder de não ter poder".

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Carlos Lima é poeta e professor de Cultura Brasileira na Uerj. Escreveu, entre outros, Cantos Órficos, Anatomia da Melancolia, Terra, Poemas esquerdos e Rimbaud no Brasil.  



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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