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A última piada do humorista judeu

Alberto Dines - Junho 2006
 

Nossas livrarias agora exibem biografias, antigamente eram escondidas, consideradas acadêmicas. Algumas biografias nacionais até tornaram-se best-sellers, mas o nosso biografismo (ou aptidão para reviver vidas) continua claudicante. Sobretudo o biografismo jornalístico, que também se expressa através dos obituários, ­já que a morte é, ironicamente, uma das oportunidades para desvendar histórias de vida.

Na pressa de registrar aqueles que chegaram à eternidade, enterram-se detalhes importantes, às vezes cruciais dos falecidos. Sobretudo quando se trata de celebridades. 

Luiz Weis e Mauro Malin chamaram a atenção neste Observatório para o burocratismo dos títulos das primeiras matérias a respeito da morte do humorista Cláudio Besserman Viana, o Bussunda (1962-2006), e também a ausência de informações sobre a sua família, especialmente a sua mãe, a psicanalista Helena Besserman Viana, conhecida internacionalmente pela bravura em denunciar a conexão do psicanalista Amílcar Lobo com a repressão durante a ditadura.

A informação é relevante, revela o ambiente político onde viveu o humorista. Mas o sobrenome da mãe acrescenta um dado precioso para um futuro Bildungsroman (romance da formação): Helena Besserman, filha de imigrantes judeus, estudou em escolas judaicas do Rio de Janeiro, freqüentou clubes e organizações culturais da comunidade. 

Claudinho (como era chamado) ganhou a alcunha que o celebrizou nacionalmente no Kinderland (País das Crianças), a colônia de férias do grupo progressista do judaísmo carioca (que ele freqüentou junto com outros Cassetas). Foi membro do Hashomer, da linha sionista-socialista.

Pode ser que a sua arte de fazer rir tenha sido fabricada pela irreverência carioca, mas outra parte dos seus chistes vem de mais longe, ­da irrefreável e penosa compulsão de gozar a todos, inclusive a si mesmo, vulgarmente conhecida como "humor judaico".

Não se trata de interpretação post mortem, é uma avaliação dele mesmo, em vida. Bussunda considerava-se herdeiro dos humoristas e comediantes judeus e assumia-se como judeu. Não importa se a matriz era Woody Allen ou Groucho Marx, importa é a condição judaica que jamais escondeu e a forma através da qual ela se manifestou.

É lamentável que este traço marcante da sua biografia tenha sido desconsiderado pelas empresas para as quais trabalhava. Não fosse uma discreta referência na crônica de Luis Fernando Verissimo (O Globo e Estado de S.Paulo, segunda, 19/6) e um comunicado fúnebre da Federação Israelita do Rio de Janeiro, Bussunda passaria à posteridade com apenas uma parte da sua história revelada. 

A outra parte certamente está rindo daqueles que não quiseram conhecê-lo por inteiro.



Fonte: Observatório da Imprensa, 20 jun. 2006.

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