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Os 40 anos de A revolução brasileira

Raimundo Santos - Julho 2006
 

A revolução brasileira foi um livro de grande repercussão. Publicado durante a ditadura militar, a obra questionava os fundamentos da política do PCB anterior ao golpe de 64. Naquele contexto em que a esquerda ainda procurava entender o golpe e ensaiava estratégias de enfrentamento com a ditadura, qual foi a importância das reflexões trazidas pela obra de Caio Prado Jr.?

O livro foi lido como uma desconstrução das teses da feudalidade e do antiimperialismo. Essa recepção lhe daria audiência em círculos então radicalizados, que nele viam amparo à sua proposta de uma frente de esquerda para resistir ao regime de 1964, muitíssimo mais estreita que a que se tentara organizar em torno das "reformas de base" no decênio 1954-64. Centrada numa teoria de Brasil e particularmente nos seus excursos sobre o industrialismo, a interpelação de Caio Prado tinha outro sentido. Caio Prado Jr. radicava a "contradição fundamental" da formação social na debilidade do nosso capitalismo em relação aos grandes contingentes de não-incluídos do mundo rural. A fórmula caiopradiana de uma revolução nacional e agrária sugere um processo ao modo americano, no sentido de um Oeste-mercado interno (mundo rural) complementar de um Leste-industrial. Caio Prado não via no antiimperialismo base sustentável para o então chamado processo revolucionário brasileiro. Ele negava os atributos de classe produtiva que se conferiam à burguesia nacional e desqualificava a função precária dos "dispositivos partidários" – PSD-PTB – que dominavam a cena pública, dissimulando um capitalismo de baixa incorporação social, escassa sociabilidade e avesso à institucionalização democrática. Cenário que ensejava o populismo e a aventura "janguista", como ele dizia às vésperas de 1964, alertando para a falta de base política das reformas de base.

Alguns, como Florestan Fenandes, acham que Caio Prado fez uma crítica às simplificações da teoria marxista e da idéia de revolução unívoca e monolítica, a partir das diretrizes da III Internacional, retomando o marxismo como processo que nasce por dentro das classes trabalhadoras. Mas Caio Prado também sofreu a crítica de ter adotado a via reformista e gradualista. Como vê essa polêmica? 

É inegável a ortodoxia e fidelidade de Caio Prado ao socialismo real, mas não assim na sua imagem de Brasil. O marxista de São Paulo, como se sabe, debruçou-se sobre uma formação social que não se constituíra com base em um processo de criação, no próprio povo, do mercado para sua produção. Assim, diferentemente do industrialismo europeu e americano, aqui o mercado se tornara a questão básica, enquanto a produção o fora para a economia política daquela modernização clássica e para Marx. Tal fato mereceria atenção, como passo indispensável à tematização dos países da periferia capitalista. Caio Prado chegou a calibrar o marxismo brasileiro ao abrir sua economia política ao tema do consumo, assim procurando equacionar melhor os processos que explicariam uma formação social como a brasileira, ao mesmo tempo dependente (com aquela raiz na colônia de produção) e contemporânea (modernizada sob industrialismo débil e pouco incorporador).

É notável como Caio Prado sintetiza todo o seu constructo em A revolução brasileira no tema da "integração", que se converte em sua verdadeira "obsessão". Esse é o sentido que ele vê na mobilização agrária (sua revolução agrária não-camponesa, baseada em reivindicações trabalhistas dos empregados rurais e em sindicatos), pensada em padrões diferentes dos da esquerda da época, sem que perpassem elementos disruptivos pela idéia caiopradiana de revolução. Com tal imagem de uma modernização inconclusa e de classes frágeis, o historiador militante não enveredaria para demiurgias e messianismos, mas divisaria a vontade transformadora da sociedade referida a atores sociopolíticos, cujo campo de ação estaria dado pela dinâmica da vida nacional, uma dinâmica que se manifesta, sobretudo, no mundo dos interesses e da política, no contexto de partidos ideológicos e de governos administrativos políticos. São temas recorrentes nos textos sobre conjuntura publicados na Revista Brasiliense antes de 1964.

Qual a atualidade dessa obra, num momento em que a opção construída há mais de duas décadas pela maior parte da esquerda – o PT –, ao chegar ao governo, descamba para o continuísmo da ordem político-econômica? Há lições ou aprendizados a tirar do livro de Caio Prado Jr.? 

Se o lemos como estilo de pensar as coisas brasileiras e formular questões para a esquerda, pode-se lembrar, por exemplo, a ânsia de Caio Prado em dar substância produtiva ao industrialismo, a idéia de reestruturações do nosso capitalismo, sua concepção de Estado como locus de generalidade e o seu interesse pelos partidos. Recorde-se que, em meio à crise do governo Goulart, Caio Prado chegou a propor uma reorganização partidária, o que lhe custou a acusação de que então fazia análise abstrata à margem da correlação de forças, que, dizia-se no PCB, vinha fazendo avançar o processo mudancista daquele tempo. Aliás, essa relação desencontrada com o seu partido merece ser lembrada de outro modo: enquanto o PCB não adotou o seu teórico do Brasil, Caio Prado não teve, no imediato pós-64, o faro político do seu partido, que soube encontrar, no que então restara do mundo político destroçado pelos militares e muito desacreditado, como agora, o ponto de partida para organizar a resistência democrática. Cada um sugerindo o que mais sabia fazer.

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Raimundo Santos é professor do CPDA da UFRRJ e autor, entre outros, de Caio Prado Jr. na cultura política brasileira (2001). Esta entrevista foi concedida a Coryntho Baldez.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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