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A vitória de Wagner e a esquerda

Paulo Fábio Dantas Neto - Outubro 2006
 

A esquerda baiana comemora, com paixão e justa razão. Para o PT, especialmente, depois de anos de acumulação e muitos meses de sufoco, a vitória de Jaques Wagner tem ar de redenção. Mas as comemorações são tão pertinentes quanto as reflexões que este surpreendente resultado impõe.

Sem arroubos de pitonisas tardias, é preciso enfrentar o tema da explicação. É um esforço necessário, que não anula a constatação de que esta surpresa (doce para uns, amarga para outros) preservará aspectos de mistério que só se desnudariam na improvável e indesejável hipótese de podermos ter a chave das consciências dos eleitores, pretensão dos que imaginam ser as pesquisas de opinião um meio de tornar a política previsível, bem ao gosto dos que a temem, ou desprezam.

Acrescento uma tentativa de interpretação a outros tantos olhares, igualmente exploratórios, que se dirigem à obra pronta. E vejo três ordens de fatores que podem ter cumprido papel relevante.

Em primeiríssimo lugar, o fato flagrante do amadurecimento do PT e do conjunto da ex-oposição baiana. Nenhum dos demais fatores teria podido atuar de modo eficaz se um campo político não houvesse se constituído - sob a liderança do PT e do seu sereno candidato, mas com a participação fluente e cooperativa de aliados relevantes -, colocando-se como alternativa de poder, condição lograda graças ao realismo com que se celebraram alianças e à firmeza com que este campo político se opôs, de modo abrangente, ao poder carlista, resistindo ao atalho tentador da maquiagem pontual.

Em segundo lugar, a influência do fator nacional, sempre decisiva em todas as inflexões da política baiana desde os anos 30. Aqui me refiro não só ao apoio pessoal, decidido, do candidato Lula, que, com eleição então quase ganha, veio ao que se pensava ser um quintal carlista arriscar-se a chamar de irmão ao candidato oposicionista. Além disso e do sempre suposto e enfatizado (com variável grau de preconceito e ironia) efeito eleitoral de programas sociais tipo Bolsa-Família, é preciso considerar o papel que teve a perda, pelo carlismo, de suas posições no governo federal e o conseqüente arquivamento do seu papel de procurador político obrigatório das lideranças municipais na busca pelo atendimento dos pleitos de suas comunidades. O governador eleito referiu-se, durante a campanha, a este fato, mas a suspeição de sua posição de então candidato não deixou que seu aviso fosse considerado a sério, em todas as suas implicações.

Em terceiro e proposital lugar, acrescento o desgaste de um grupo político que se mantinha por 16 anos no poder, em contexto de competição democrática no País, ao qual a Bahia já se integrara desde finais da década passada, quando começou a se desfazer a situação dominante que, tentando perenizar o clima político aclamativo da ditadura, quase eliminara a competição em nosso Estado durante o auge da era FHC. Na hierarquia dos motivos ponho o desgaste do carlismo em terceiro lugar porque, para que a vitória de Wagner seja compreendida em toda a sua extensão, é preciso considerar que ele não derrotou um adversário moribundo. Ao contrário, depois de meia década de perda de força do grupo e de declínio pessoal do seu chefe, a partir do ano passado, com a erupção da crise política nacional que colocou o PT em defensiva, o carlismo ganhava fôlego e retomava um viés expansivo, prometendo auto-renovação e cooptando quadros do campo adversário, de que é sintoma o desembarque quase total do PSDB baiano na candidatura de Paulo Souto, de cujo campo, aliás, nunca se afastou o "dissidente" - mais anunciado que consumado - ex-prefeito Imbassahy.

Se é verdade que o carlismo, como um todo, foi golpeado de modo contundente pelo resultado eleitoral, também é verdade que, dentro do grupo, ao contrário do que se tem alardeado por aí, a derrota mais significativa não é a da figura do senador ACM, politicamente declinante há mais de meia década, mas a da política de "renovação por dentro", proposta, ou insinuada, por lideranças do que tenho chamado de "carlismo pós-carlista", da qual o slogan publicitário "uma nova Bahia a cada dia" era bem sugestivo. O eleitorado baiano optou, sim, pela renovação política, mas, em vez de confiar numa renovação passiva do carlismo, a la Paulo Souto e Imbassahy, preferiu, pela segunda vez em vinte anos, que ela seja feita em seguida a um forte freio de arrumação.

Esta interpretação não significa que o eleitorado autorizou Wagner a destruir o que houve de construção positiva no estado durante os anos de hegemonia carlista. Creio mais que dele se espera a oxigenação popular desse edifício que modernizou a Bahia de modo politicamente conservador. Noutras palavras, que substitua, com cuidado e paciência, a argamassa armada da razão tecnocrática por um cimento democrático e republicano, que una lucidez técnica, seriedade administrativa, pluralismo político e compromisso para com uma maior igualdade social. A política baiana tem novo protagonista e não é justo reduzir sua missão reformadora a um ritual de sepultamento.

Além de apequenar uma grande vitória, essa obsessão pré-democrática pelo enterro do perdedor provém de conclusões precipitadas, quando sequer o processo eleitoral acabou (o segundo turno da eleição presidencial é crucial para vencedores e vencidos nas eleições estaduais) e quando não se pode avaliar ainda se o carlismo é capaz de se manter coeso, na oposição. É hora de compreender que não só agora, mas desde ao menos as eleições de 2002, a política baiana é competitiva, logo, o revezamento de grupos no governo tende a ser, entre nós, um novo e saudável hábito republicano.

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Paulo Fábio Dantas Neto é professor de Ciência Política da UFBA e pesquisador do CRH/UFBA.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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