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Guerra de posição e guerra manobrada

Antonio Gramsci - Fevereiro 2008
 

Texto do Caderno 7, § 16, intitulado "Guerra de posição e guerra manobrada ou frontal". Este caderno foi escrito entre 1930-1931. Reproduzido de A. Gramsci. Cadernos do cárcere. V. 3: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 261-2. 

Deve-se examinar se a famosa teoria de Bronstein sobre a permanência do movimento não é o reflexo político da teoria da guerra manobrada (recordar observação do general dos cossacos, Krasnov), em última análise o reflexo das condições gerais - econômicas, culturais, sociais - de um país em que os quadros da vida nacional são embrionários e fracos e não se podem tornar "trincheira ou fortaleza".

Neste caso, seria possível dizer que Bronstein, que aparece como um "ocidentalista", era, ao contrário, um cosmopolita, isto é, superficialmente nacional e superficialmente ocidentalista ou europeu. Em contraposição, Ilitch era profundamente nacional e profundamente europeu. Bronstein recorda, em suas memórias, terem-lhe dito que sua teoria se revelara boa ... quinze anos depois, e responde ao epigrama com outro epigrama [*].

Na realidade, sua teoria, como tal, não era boa nem quinze anos antes nem quinze anos depois: como sucede com os obstinados, dos quais fala Guicciardini, ele adivinhou no atacado, isto é, teve razão na previsão prática mais geral; como se se previsse que uma menina de quatro anos irá se tornar mãe e, quando isto ocorre, vinte anos depois, se diz: "adivinhei", mas sem recordar que, quando a menina tinha quatro anos, se tentara estuprá-la, na certeza de que se tornaria mãe. Parece-me que Ilitch havia compreendido a necessidade de uma mudança da guerra manobrada, aplicada vitoriosamente no Oriente em 1917, para a guerra de posição, que era a única possível no Ocidente, onde, como observa Krasnov, num breve espaço de tempo os exércitos podiam acumular quantidades enormes de munição, onde os quadros sociais eram por si sós ainda capazes de se tornarem trincheiras municiadíssimas. Parece-me este o significado da fórmula da "frente única", que corresponde à concepção de uma só frente da Entente sob o comando único de Foch [**]. Só que Ilitch não teve tempo de aprofundar sua fórmula, mesmo considerando que ele só podia aprofundá-la teoricamente, quando, ao contrário, a tarefa fundamental era nacional, isto é, exigia um reconhecimento do terreno e uma fixação dos elementos de trincheira e de fortaleza representados pelos elementos de sociedade civil, etc. No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma relação apropriada e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional.

A teoria de Bronstein pode ser comparada à teoria de certos sindicalistas franceses sobre a greve geral e à teoria de Rosa no opúsculo traduzido por Alessandri: o opúsculo de Rosa e a teoria de Rosa, de resto, influenciaram os sindicalistas franceses, como se depreende de determinados artigos de Rosmer sobre a Alemanha na Vie Ouvrière (primeira série em formato menor): procede também, em parte, da teoria da espontaneidade [***].

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Notas

[*] Em sua autobiografia, cuja primeira edição italiana é de 1930, Trotski observa: "Com sua imprecisão e negligência peculiares, Lunatscharski definiu do seguinte modo minha concepção revolucionária: ‘O camarada Trotski pensava, em 1905, que as duas revoluções, a burguesa e a socialista, não fossem, é verdade, uma só coisa, mas estariam tão estreitamente conexas que formariam uma revolução permanente. Ingressando com uma revolução burguesa num período revolucionário, a parte da humanidade constituída pelos russos e todo o resto do mundo não poderão mais sair deste período, até o término da revolução social. É inegável que, ao formular aquelas idéias, Trotski demonstrou muita sagacidade, ainda que se tenha enganado de 15 anos’. A observação sobre o erro de 15 anos não ganhou em profundidade pelo fato de ter sido repetida por Radek. Em 1905, nossas previsões contavam com a vitória da revolução, não com a derrota. Então, não alcançamos nem a república, nem a reforma agrária, nem a jornada de oito horas. Será que nos enganávamos ao apresentar estas reivindicações? A derrota da revolução alterou todas as nossas perspectivas, e não somente aquelas que eu havia indicado. Não se tratava, então, de fixar um prazo para a revolução, mas de analisar suas forças intrínsecas, prever o desenvolvimento dela em seu conjunto" (L. Trotski. Minha vida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 161).

[**] "Frente única" é a linha política de unidade operária, adotada pela III Internacional entre o III (1921) e o VI Congresso (1928). Na Itália, num texto apresentado à direção do PCI em agosto de 1926, Gramsci entende de modo particular esta tática: "Em todos os países capitalistas apresenta-se um problema fundamental, o de passar da tática da frente única entendida em sentido geral para uma tática determinada, que formule os problemas concretos da vida nacional e opere com base nas forças populares assim como são historicamente determinadas" (A. Gramsci. La costruzione del Partito comunista 1923-1926. Turim: Einaudi, 1971, p. 123).

[***] [...] Gramsci menciona La Vie Ouvrière, revista dos sindicalistas revolucionários franceses. Não consta, porém, que Alfred Rosmer (pseudônimo de André Alfred Griot, 1877-1964) tenha escritos artigos sobre a Alemanha nesta ou em outras publicações. Registra-se, na realidade, um artigo de Charles Andler, "Le socialisme impériale dans l’Allemagne contemporaine", de grande repercussão, com o qual polemiza inclusive Jean Jaurès. La Vie Ouvrière circula entre 1909 e 1914 e entre 1919 e 1922. Nesta segunda fase, Rosmer empenha-se pela adesão do grupo à III Internacional.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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