Sempre que vemos um assassinato bárbaro com uma mulher como vítima, pensamos em nosso íntimo: Como isso chegou a esse ponto? Porque ela não se afastou antes?

Por essa razão venho hoje conversar com você leitor e leitora, quando você percebe que está passando da normalidade?

A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) dispõe que os crimes contra a honra cometidos contra mulheres são uma forma de violência doméstica e familiar. Assim, sempre que o agressor praticar qualquer ação que configure calúnia, difamação ou injúria no âmbito familiar ou doméstico serão aplicáveis outras disposições da lei, como a adoção de medidas protetivas ou a vedação de penas de prestação pecuniária e substituição de pena por multa. Essa é a previsão legal, mas e na prática?
Os crimes contra a honra são aqueles que representam um ataque à dignidade, a inteligência, ao nome da vítima. Pode acontecer com qualquer um, pode ser cometido por qualquer um de nós.

“Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. Tamanha a clareza de todos os elementos da definição do código penal, que só resta avaliar se houve a intenção ou não de agir para uma eventual condenação ou absolvição do agente.

Todos os dias nas delegacias, e nas casas de acolhimento à mulheres espalhadas pelo Brasil,
ouvindo atenciosamente a lamentação dessas abatidas vítimas, percebe-se que a ofensa ganha traços de agressão verbal, e com inúmeras facetas, abrindo os olhos para uma realidade que fica entre quatro paredes, e que escondem um cotidiano de perseguição, controle, possessividade, que só nos choca quando mata.

O atendimento diário às vítimas de violência familiar revela que as injúrias lançadas pelos companheiros agressores não são meros e inofensivos palavrões ou obscenidades ocasionais e inéditos. É fato. Ainda mais quando se sabe que a mulher vítima da violência caseira só procura uma delegacia especializada quando completamente desesperada.

Em verdade, é que a esposa ou companheira vítima dessa violência doméstica e familiar passa anos, ou melhor, décadas sendo diuturnamente chamada de “puta, cachorra, safada e vagabunda”, por conversar com não devia, por usar a roupa que não devia, por fazer que não devia. 

O estado de saúde mental, a autoestima das mulheres vítimas da cotidiana e incessante violência verbalizada é sempre grave e lamentável, sempre resulta em um desequilíbrio psicológico, hormonal ou alimentar O agressor sabe que o repetido e diário desacato à esposa não resulta na mera ofensa à honra, mas, sim, no controle da esposa.

Imagine esta cena diária se repetindo durante 5, 10, 20 anos.

Mas, você leitor, leitora, pode pensa; “ela pode sair de casa, ela pode largar essa criatura”. A palavra poder vem do latim potere, e seu significado remete-nos à posse de capacidade ou faculdade de fazer algo, bem como à posse do mando e da imposição da vontade (fonte: Brasil escola). Vamos refletir, essa mulher agredida, tem mesmo o domínio da sua vontade???

E é nesse momento, que surge outro tipo penal, “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”, a mulher que se empodera e deixa, ou ao menos tenta, se livrar do agressor, se torna: “puta, piranha, porca, vagabunda” não só nas quatro paredes da casa, mas na rua, entre os vizinhos,  no futebol de quarta feira a noite, nas fotos do Facebook, e nos comentários do Instagram.

Por isso, mulher, leitora, e leitor, fique atento às palavras, durante às discussões costumeiras sobre eventuais discordâncias, e principalmente fora delas. Para isso a lei Maria da Penha regulou as várias formas de violência, neste artigo em especial a violência psicológica.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
(...)
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
(...)
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A maioria esmagadora dos registros policiais sinaliza que a violência psicológica é, sim, o bem mais atingido das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Este é o alvo sutil, mas que deixará marcas de impossível reparação.

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*Paula Assumpção - Advogada, pós-graduada em direito previdenciário e direito público pela PUC Minas. Mestre em filosofia pela UFJF. Professora de direito administrativo da Estácio e de direito administrativo e ciência política da Doctum. Professora de direito previdenciário na pós graduação e coordenadora da pós graduação de direito do trabalho e previdenciário da Estácio. Presidente da comissão de previdenciário da OAB Juiz de Fora e conselheira de ética e disciplina da OAB Juiz de Fora. Gestão 2019-2021. 

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