SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um estudo publicado nesta terça-feira (11) referendou as responsabilidades de três líderes populistas na má gestão da pandemia de Covid-19, mostrando que a concentração de poder nas mãos dos chefes do Executivo no Brasil, nos Estados Unidos e na Índia possibilitou a tomada de medidas autoritárias que dificultaram o combate à crise sanitária.

As similaridades entre Jair Bolsonaro, Donald Trump e Narendra Modi, em resumo, não se limitam à posição anticiência --jogar contra a saúde da população só foi possível porque a autoridade de que eles dispõem é garantida pela Constituição.

Como resultado, sobrou para os entes subnacionais o ônus de lidar com a pandemia, cada um à sua maneira. "Só que eles [unidades federativas] não são preparados para isso. Como não têm recursos financeiros nem autoridade para agir em determinadas situações, houve respostas desiguais. O cidadão americano, brasileiro ou indiano estava mais protegido em um estado do que em outros", diz a professora da FGV Elize Massard da Fonseca.

Junto a acadêmicos das universidades de Michigan, Illinois e Cornell, todas nos Estados Unidos, ela elaborou a pesquisa que joga luz sobre os dispositivos legais que permitiram a líderes de três países muito diferentes minimizar a gravidade da pandemia e, por consequência, levar suas nações ao topo dos rankings com mais mortos pela Covid.

"O chefe do Executivo nesses lugares é muito poderoso, para bem ou para o mal. Escolher questionar orientações da Organização Mundial da Saúde, negar a pandemia, não agir para haver uma coordenação central, para que se fechasse os aeroportos no auge da crise --essa inação é uma habilidade conferida pelos poderes constitucionais", afirma a pesquisadora.

A conclusão do estudo funciona como contraponto ao argumento de Bolsonaro de ter sido impedido pelo Supremo Tribunal Federal de agir contra a pandemia --decisão da corte na verdade estabeleceu a competência concorrente de estados, municípios e União, sem excluir esferas administrativas dessa responsabilidade.

Em muitos casos, acrescenta a pesquisadora, há pouco questionamento de agentes externos à (in)ação dos líderes diante de uma crise. Ela cita como exemplo a CPI da Covid, que demorou para acontecer e teve resultados ainda incertos.

Nos EUA, segundo o estudo, Washington "politizou a distribuição da ajuda", retendo recursos que iriam para estados governados por democratas, opositores do republicano Trump. Nos primeiros meses da crise, sobre os quais a pesquisa se debruça, houve grande descompasso entre o presidente e os governadores, orientados a buscar respiradores por conta própria e a cuidar da reabertura econômica, seguindo um plano federal.

À época, em maio de 2020, a maior crítica de especialistas era a de que os estados não tinham condições de seguir as diretrizes da Casa Branca, dentre as quais fazer testes de Covid em milhões de pessoas.

Situação algo similar aconteceu na Índia, onde os entes subnacionais ficaram responsáveis pelas políticas de saúde pública para conter o coronavírus --mas não tinham recursos suficientes para tanto. Nos três países analisados, a verba para saúde pública vem da esfera federal.

Mesmo que limitada, a capacidade de governos locais de reagir à crise é uma forma de compensar os desmandos dos presidentes ou a inação federal, sugere o estudo. Outra maneira de questionar as lideranças é apontar especialistas em saúde pública que tenham certa independência, como foi o caso de Anthony Fauci nos EUA e, no Brasil, da Anvisa.

Para a pesquisadora da FGV, tanto o infectologista como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária funcionaram como prestadores de contas dos entes públicos, o que é parte da democracia.

Por fim, o estudo sugere que haja um sistema robusto de governança em momentos de crise aliado à divulgação de informação em saúde. O conjunto imporia limites ao chefe do Executivo --independentemente se o cargo é ocupado por um presidente negacionista ou não.

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