SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mao Tse-tung criou a China comunista e a abriu para o mundo. Deng Xiaoping implantou as condições para que seus cidadãos enriquecessem. Xi Jinping promete agora completar o serviço de seus antecessores ilustres, tornando-a a nação mais poderosa -e temida- do planeta.
Numa sociedade que reverencia seus ícones, poucos apostariam que um líder moderno pudesse rivalizar com figuras do status de Mao e Deng, mas Xi parece ter se colocado definitivamente como membro do seleto grupo de pais fundadores da China.
"Até o momento, Xi provou ser um seguidor fiel de seus predecessores, focado na concretização de uma China forte e poderosa", diz Kerry Brown, professor de estudos chineses do King's College, de Londres, e autor do recém-lançado "Xi: A Study in Power" (Icon Books), ainda sem versão em português.
Para ele, os três líderes têm, ou tiveram, uma visão nacionalista similar. "É a crença forte numa China rica e poderosa, que nunca mais seria humilhada por países mais fortes e avançados, como ocorreu frequentemente na história moderna."
Se, como tudo indica, a recondução de Xi como secretário-geral por mais cinco anos (que podem facilmente virar dez) for confirmada no Congresso do Partido Comunista que se inicia neste domingo (16), ele se consolidará como um líder transformador como poucos na milenar história chinesa.
Seria um equívoco, no entanto, encarar o atual comandante como uma mera versão atualizada dos antecessores.
"Xi não é um novo Mao ou Deng, pela simples razão de que a China de hoje é quase totalmente diferente dos países que eles comandaram. É imensuravelmente mais forte economicamente e em termos de status geopolítico", diz Brown.
Um exemplo citado pelo especialista: em 1966, a China de Mao tinha embaixada em apenas um país, enquanto a de Xi hoje é a principal parceira comercial de 120 nações.
Fundado em 1921, o Partido Comunista Chinês alternou momentos com líderes medíocres, medianos e transformadores, em meio a períodos marcados por autofagia política ou o mais profundo caos.
Em comum, a trinca Mao, Deng e Xi tem o fato de ter concentrado o poder de forma tão intensa que é fácil esquecer o fato de que, ao menos em teoria, a ditadura comunista chinesa é de partido, não pessoal.
Mas há nuances na forma como esses líderes conduziram o gigante asiático. Líder militar e depois político da China durante 27 anos, Mao se confundia com o Estado a ponto de ter tornado sua visão sobre o socialismo a ideologia oficial do regime.
Com status sem paralelo na história chinesa, ele segue reverenciado pelo Partido Comunista, mesmo que posteriormente a legenda tenha feito críticas a excessos sob sua responsabilidade, como a Revolução Cultural.
Parte dessa devoção se deve ao contexto histórico que Mao navegou, posicionando a China no palco da Guerra Fria. Gigante territorial e populacional, o país tinha peso econômico e geopolítico incomparavelmente menor à sua posição no mapa-múndi.
Hábil, o líder manteve-se distante dos dois polos da Guerra Fria, enquanto solidificava sua base política interna. Tal postura desaguaria na histórica visita do presidente americano, Richard Nixon, ao país, em 1972.
Economicamente, Mao buscou a industrialização forçada do país com planos estratégicos centralizados, que acabariam por servir como exemplos do que não fazer durante o período subsequente
Deng, que assumiu o controle no vácuo da morte do fundador da China comunista, nunca teve a reverência que Mao despertou nem acumulou tantas funções quanto ele. Os principais postos que ocupou foram os de presidente da Comissão Militar Central e da Comissão de Aconselhamento Central do partido.
Isso não o impediu, no entanto, de ter se tornado, na prática, o dirigente mais influente do país entre o fim da década de 1970 e o início da de 1990.
Hábil politicamente, incutiu no Partido Comunista a ideia de que o enriquecimento era uma questão de sobrevivência política, naquele que era então o país mais populoso do mundo.
Ao estabelecer a zona econômica especial de Shenzhen, espécie de laboratório para todo o país, apostou que seria possível conjugar o sistema político fechado chinês com as características do modelo capitalista de mercado.
A ideia quase levou à queda do regime em 1989, após estudantes entenderem que abertura econômica deveria levar a abertura política. Mas nas décadas seguintes a aposta de Deng se pagou de tal forma que não é incomum considerar hoje que ele é o líder mais importante da China moderna, à frente até de Mao.
Em uma façanha rara num partido que àquela altura vivia duros embates internos, Deng também emplacou seu indicado, Jiang Zemin, como secretário-geral e figura dominante da China nos últimos anos do século 20.
Xi, por sua vez, chegou ao poder, em 2012, dando a impressão de que seguiria a tradição de seu antecessor imediato, Hu Jintao, um líder formado na burocracia partidária que não teve grandes ambições de reposicionamento estratégico e ideológico do país na década que o governou.
Filho de um líder que marchou junto a Mao, Xi não demorou a mostrar um perfil maior do que o de um simples gerente da máquina partidária. Começou consolidando seu poder em uma cruzada anticorrupção, um tema popular no país, que teve o bônus de escantear possíveis rivais internos.
Gradualmente, Xi reforçou o culto à personalidade, inscrevendo seus textos na doutrina oficial do partido, algo que apenas Mao havia feito. Sob sua gestão, a China se tornou um Estado mais repressor e intolerante com dissidências, tanto políticas quanto as de minorias, caso dos uigures. Assim como ocorreu com Mao e Deng, o contexto do período ajudou a impulsionar a guinada centralizadora do dirigente.
Após ter se tornado uma superpotência econômica, a China passou a priorizar, na última década, fazer o mesmo na área militar, com investimentos pesados em defesa. Busca ainda espraiar seu poder pelo planeta, por meio de investimentos em infraestrutura de países pobres e emergentes.
Entre os novos desafios de Xi, estão a perspectiva de um modelo baseado em crescimento menor, com todas as implicações que isso pode trazer, e a necessidade de reduzir a desigualdade entre o campo e os grandes centros urbanos.
Esse caldo, diz o professor Brown, alimentará as forças internas que desejam uma China ainda mais nacionalista.
"Aparentemente a China está entrando em uma era na qual desafios significativos estão emergindo, da fragilização do mercado imobiliário a uma maior pressão sobre consumidores. Uma recessão prolongada na China é algo que o mundo não vê há muitas décadas", afirma.
Ao mesmo tempo que o cenário consolida Xi como líder inconteste do país, apresenta riscos para ele a longo prazo, afirma o especialista. "Líderes chineses nunca esconderam a vasta gama de desafios econômicos, sociais e ambientais que enfrentam. A questão é se conseguem lidar com eles", diz.
100 ANOS DE LÍDERES COMUNISTAS CHINESES
Chen Duxiu (1921-27) Considerado o "pai fundador" do partido, tinha perfil intelectual e defendia uma revolução nos moldes soviéticos. Acabou expulso após desentendimento com Mao e por ser considerado trotskista
Xiang Zhongfa (1928-31) Foi preso pelos nacionalistas do Kuomintang e, mesmo revelando segredos do Partido Comunista, acabou executado
Bo Gu (1931-35) Comandou o partido no início da Longa Marcha, durante a guerra civil contra os nacionalistas
Zhang Wentian (1935-43) Chefiou os comunistas na resistência à invasão japonesa, durante a Segunda Guerra
Mao Tse-tung (1943-76) Maior líder do partido, responsável por levar os comunistas ao poder. Também sob sua supervisão foram implementados o Grande Salto Para a Frente e a Revolução Cultural. Estima-se que 40 milhões de pessoas tenham morrido em razão do colapso da economia e expurgos
Zhou En-lai (1949-76) Primeiro-ministro e braço direito de Mao, foi o principal responsável pela aproximação com os EUA, que resultou na histórica visita do presidente Richard Nixon, em 1972
Hua Guofeng (1976-81) Assumiu a liderança do partido após a morte de Mao e promoveu a crítica sobre os excessos da Revolução Cultural. Sua gestão foi ofuscada pela atuação de Deng Xiaoping, que introduziu as primeiras reformas de mercado
Deng Xiaoping (1978-89) Exerceu diversos cargos, embora nunca o de líder máximo do partido. Mesmo assim, controlou a legenda na prática e foi o responsável pelas reformas de mercado que revolucionaram a China
Hu Yaobang (1981-87) Da ala reformista e ligado a Deng, que no entanto não o protegeu do desgaste junto às alas mais conservadoras do partido, levando à sua queda. Sua morte, em 1989, deflagrou os protestos na praça da Paz Celestial, em Pequim
Zhao Ziyang (1987-89) Líder do partido que ficou menos tempo no poder, foi substituído após o massacre de estudantes em 1989
Jiang Zemin (1989-2002) Assumiu com a missão de reprimir as manifestações e reafirmar a autoridade do partido. Em seu período, a China ingressou na Organização Mundial do Comércio
Hu Jintao (2002-12) Sob seu comando, a China registrou índices de crescimento econômico anuais superiores a 10% e concluiu grandes obras, como a Hidrelétrica das Três Gargantas. O país também sediou a Olimpíada de 2008
Xi Jinping (desde 2012) Centralizou o poder como nenhum líder desde Mao e fez do combate à corrupção uma prioridade; aumentou os embates comerciais e políticos com os EUA, além de ter lidado com a crise do coronavírus
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