LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Embora Portugal tenha acabado de aprovar um amplo pacote de medidas para atrair imigrantes, incluindo um novo visto para procurar trabalho no país, os serviços migratórios lusos não conseguem dar conta nem sequer dos estrangeiros que já se encontram no território do país europeu.
Segundo o Ministério da Administração Interna, há, com pedidos pendentes de regularização, cerca de 200 mil pessoas que apresentaram a chamada "manifestação de interesse" para permanecer legalmente no país. Em geral, esse contingente representa a principal via de migração para Portugal: pessoas que chegam como turistas, mas permanecem para trabalhar mesmo sem a documentação adequada.
Portugal é um dos poucos países da União Europeia a oferecer a possibilidade de regularização por meio do trabalho. Imigrantes que apresentem um contrato de emprego ou exerçam atividades autônomas com a emissão de recibos e contribuições à Segurança Social podem iniciar o processo.
A primeira etapa é, justamente, a "manifestação de interesse". Hoje, os pedidos têm levado mais de dois anos para serem processados pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), subordinado ao Ministério da Administração Interna. Sobrecarregado, o órgão não consegue atender os imigrantes já regularizados no país, e os atrasos constantes na renovação de autorizações de residência têm sido tão grandes que o governo publicou um decreto para estender automaticamente a validade dos papéis até 31 de dezembro.
A medida só vale em Portugal, limitando a circulação dos imigrantes afetados, que podem ter problemas para entrar ou sair de outros países europeus. O brasileiro Anderson Souza foi dispensado de uma das empresas para as quais prestava serviço de entrega após ter problemas com a renovação, já que a plataforma de cadastro exclui automaticamente quem está com a autorização com validade vencida.
"Só resolvi a situação depois que soube do decreto e mostrei para o meu supervisor, que também não conhecia", afirma Souza. Grupos de brasileiros nas redes sociais e associações de apoio a imigrantes reúnem relatos de quem teve problemas com empregadores ou para receber benefícios sociais.
Criado no início da pandemia para desafogar o atendimento presencial do SEF, o serviço de renovação automática de autorização de residência, que funcionou sem embaraços em 2020, apresenta agora seguidos atrasos. A falta de recursos do órgão deixa em situação irregular mesmo estrangeiros que têm direito à residência devido a relações familiares. É o caso, por exemplo, de cônjuges de cidadãos da União Europeia e de filhos de imigrantes recém-regularizados, entre outros.
Após meses sem abrir novos agendamentos, o SEF disponibilizou nas últimas semanas cerca de 42 mil vagas. Única via para marcar um horário, os números de telefone do órgão não suportaram a demanda e apresentaram instabilidade. Além da dificuldade técnica devido à alta procura, há falta de funcionários para atendimento. Segundo reportagem do jornal Público, havia apenas 50 atendentes disponíveis.
Muitos imigrantes recorreram a apps que realizam rediscagem automática, como Jéssica Cavalcanti, que fez mais de 3.000 ligações para o SEF. "É um absurdo, não há respeito pela nossa situação. Estou há cinco meses em situação irregular, mesmo podendo viver aqui devido à nacionalidade italiana do meu marido."
Além da dificuldade para poder sair do país, a brasileira afirma que a falta do documento também traz obstáculos para abrir uma conta bancária e conseguir emprego qualificado. Muitos estrangeiros relatam problemas semelhantes. No Facebook, a publicação do SEF que anuncia a abertura de horários foi inundada por centenas de comentários com queixas sobre os serviços. As falhas no atendimento também motivaram a criação do abaixo-assinado virtual "Dignidade no Agendamento no SEF".
"Verificam-se políticas de imigração em massa para Portugal, mas o governo e seus órgãos terminam, na prática, sem oferecer estrutura e condições dignas aos imigrantes nem aos profissionais habilitados que desenvolvem sua atuação nessa área do direito", diz a petição, que tem mais de 4.700 assinaturas.
Questionado sobre o problema no atendimento aos estrangeiros, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, reconheceu não haver recursos humanos para atender a demanda.
Com a chegada dos imigrantes com os novos vistos de trabalho, os serviços devem ficar ainda mais pressionados. Embora as autorizações sejam emitidas por consulados e embaixadas, os estrangeiros precisam passar pelo SEF para obter a permissão de residência quando já estiverem em Portugal.
O próprio futuro do órgão, aliás, permanece incerto. Há cerca de dois anos, o governo luso anunciou a extinção do SEF, que seria substituído pela Agência Portuguesa para Migração e Asilo. O encerramento das atividades, porém, vem sendo sucessivamente adiado.
Apesar dos problemas, as autoridades portuguesas destacam continuamente a importância dos imigrantes para a economia do país, com baixa natalidade e população envelhecida. Os brasileiros são, com folga, a maior comunidade estrangeira em Portugal. Dados provisórios indicam que, até junho, havia cerca de 252 mil brasileiros com residência legal no país, que tem 10,1 milhões de habitantes.
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