BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - O presidente do Peru, Pedro Castillo, fracassou em uma tentativa de golpe nesta quarta-feira (7) depois de tentar dissolver o Parlamento, antecipar eleições e decretar um estado de exceção. O populista de esquerda teve por fim sua destituição aprovada pelo Congresso e deixou o governo após 17 meses de uma gestão tumultuada.

Na prática, o Legislativo ignorou os decretos do político populista e aprovou uma moção de vacância, convocando a vice, Dina Boluarte, para tomar posse como presidente. A moção, uma espécie de impeachment, foi aprovada com 101 votos a favor, apenas 6 contra e 10 abstenções ?eram necessários 87 votos para a aprovação.

A Polícia Federal peruana, chamando Castillo de ex-presidente, noticiou sua detenção. Segundo a imprensa local, ele tentava fugir com a família, mas foi interceptado por policiais. O chanceler do México, Marcelo Ebrard, disse que não poderia comentar especulações de um possível pedido de asilo político do mandatário destituído.

A dissolução do Congresso é um instrumento válido no sistema peruano, desde que o Parlamento tenha rejeitado pelo menos dois votos de confiança ao governo. O primeiro deles foi posto em pauta pelo então premiê Aníbal Torres no início de novembro, mas a oposição se recusou a votá-lo, alegando que o pedido "não poderia ser atendido nos termos estabelecidos".

Se o primeiro voto de confiança fosse rejeitado, todo o gabinete de Castillo seria forçado a renunciar, mas o governo poderia convocar uma segunda votação. Torres assim o fez, ignorando a recusa dos opositores ?na prática, dobrando a aposta contra o Congresso.

Ao convocar o segundo voto de confiança mesmo que o primeiro não tenha sido votado, o então premiê chegou a dizer que, se a oposição novamente se recusasse a votá-lo, entenderia isso como uma segunda rejeição formal, o que poderia ser interpretado como o gatilho para a dissolução do Parlamento.

A oposição manteve a recusa, e Torres anunciou sua renúncia dias depois, sem uma solução para a disputa entre o Legislativo e o Executivo.

Ao ordenar a dissolução, Castillo também tentou se antecipar à sessão em que o Parlamento analisaria seu terceiro processo de destituição, mas fracassou.

A imprensa peruana e os deputados de oposição, que são maioria no Congresso, chamaram o movimento de Castillo de golpe de Estado já nas primeiras horas após a tentativa. Vários ministros apresentaram sua renúncia momentos depois do anúncio, incluindo o chanceler César Landa, Alejandro Salas (Trabalho) e Kurt Burneo (Economia). O comandante do Exército, general Walter Córdova, fez o mesmo.

Em seu pronunciamento, no fim da manhã, Castillo tinha determinado "dissolver temporariamente o Congresso da República, instaurar um governo de emergência excepcional e convocar no mais breve prazo um novo Congresso com poder constituinte, para elaborar uma nova Constituição em um prazo de até nove meses".

Ele decretou ainda "toque de recolher em todo o país a partir das 22h desta quarta até as 4h do dia seguinte, e a reorganização do sistema de justiça ?o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Junta Nacional de Justiça e o Tribunal Constitucional". Com a destituição, nada disso entrou em vigor.

Segundo Castillo, suas ações visavam restabelecer o Estado de Direito e a democracia no Peru. Considerada autoritária, a dissolução do Parlamento de fato foi posta em prática por alguns presidentes, como o ditador Alberto Fujimori, mas com muita crítica pelos que o sucederam.

A última vez havia sido em 2019, sob o então presidente Martín Vizcarra, depois de os congressistas rejeitarem dois votos de confiança à gestão. No ano seguinte, porém, a nova configuração do Legislativo conseguiu removê-lo do poder em meio a acusações de corrupção, coroando uma convulsão política crônica que se repetiria no mandato de Castillo.

A filha de Fujimori, Keiko, foi a principal adversária eleitoral do agora ex-presidente. Investigada por corrupção, ela chegou a ser presa e, após a derrota para o atual presidente com uma diferença de cerca de 50 mil votos, fez denúncias de fraudes nas eleições, nunca comprovadas.

"Pedro Castillo desfere um golpe desesperado porque sabia que lhe restavam apenas algumas horas no poder", escreveu a opositora no Twitter. "O Congresso deve avançar com a vacância, e as Forças Armadas devem apoiar a ordem constitucional."

A chamada moção de vacância havia sido protocolada no último dia 29 por um grupo liderado pelo deputado Edward Málaga, acusando o presidente de incapacidade moral de governar. Na véspera, outro congressista já tinha apresentado uma moção de suspensão, que afastaria Castillo por 12 meses para que se julguem ações que correm contra ele na Justiça.

O mecanismo de vacância é uma espécie de impeachment, ainda que seja uma figura jurídica distinta. Nas duas moções anteriores, em dezembro do ano passado e março deste ano, a oposição falhou ao mobilizar apoios, mantendo o populista no cargo.

Mergulhados em crise, Executivo e Legislativo vinham se acusando de tramar um golpe de Estado, para dissolver o Congresso ou derrubar o presidente, a depender da visão. O líder do partido Perú Libre, Wladimir Cerrón, pelo qual Castillo se elegeu mas com quem manteve relação conflituosa, disse que o presidente se precipitou. "Não havia votos suficientes para a vacância", disse.

No último dia 25, o presidente havia anunciado uma renovação de seu gabinete, a quinta em 16 meses de mandato ?processo obrigatório após o pedido de demissão de Torres. A ex-deputada Betssy Chávez foi nomeada para o posto, mas tanto ela quanto os novos ministros teriam que obter o voto de confiança do Parlamento, em meio ao clima de confronto ?Betssy também apresentou sua renúncia nesta quarta, antes da votação da destituição.

Castillo vinha ainda tentando cumprir uma promessa de campanha, de formar uma Assembleia Constituinte, mas sem encontrar eco para isso no Congresso.

O político já respondia a duas acusações constitucionais no Congresso. A primeira por traição, apoiada na ideia de convocar um plebiscito para perguntar à população se estaria de acordo com a concessão de um acesso ao mar para a Bolívia. A segunda alegava que o presidente é o líder de uma organização criminosa que busca obter propina em troca de contratos de obras públicas ?denúncia que, de resto, é foco de uma das seis investigações tocadas pelo Ministério Público.

Desde o início da gestão, em meados de 2021, Castillo tinha dificuldades para governar e formar alianças no Congresso ?às quais neste ano se somaram protestos nas ruas. Segundo o Instituto de Estudos Peruanos, ele deixa o governo com 28% de popularidade. A mesma pesquisa, porém, aponta que mais de 80% da população está insatisfeita com o Congresso.


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