SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde 1990, o Banco Mundial acredita poder reunir informações estatísticas sobre o consumo das famílias em qualquer canto do planeta. E consegue, também por isso, saber se estão diminuindo ou aumentando a pobreza e a miséria.

Pois algo deu errado com os humanos depois da Covid e da Guerra da Ucrânia. A população vivendo na miséria saltou de 8,4% do total mundial, em 2019, para 9,3% em 2020. Um imenso grupo de 700 milhões de pessoas passou a engrossar o contingente da pobreza extrema. As informações estão em podcast da instituição e foram divulgadas em Washington, onde ela está sediada ao lado do irmão gêmeo FMI.

Os economistas que participaram do programa se basearam em relatório recém-publicado que é um grande raio-X dos estragos que a crise sanitária e a guerra provocaram no mercado de trabalho e, em consequência, no padrão de consumo das famílias.

Ruth Hill, especialista em renda, diz que em 1990 cerca de 38% dos habitantes da Terra viviam em condições de miséria. Pois esse número decresceu até 2019 para apenas 8%, em razão sobretudo do desenvolvimento econômico no Sudeste Asiático e no Pacífico, regiões que mais combateram com sucesso a existência de barreiras ao bem-estar material.

Dentro desse mesmo processo, entre 1990 e 2014, período para o qual estão fechadas comparações mais precisas, pouco mais de 1 bilhão de pessoas abandonou a miséria. Mais uma vez Sudeste Asiático e Pacífico foram as regiões que mais enriqueceram. O verbo não é bem esse, já que a população não ficou mais rica; em verdade, "desempobreceu" --e não é do Banco Mundial o neologismo.

Vieram então a pandemia e a Ucrânia, e o mundo ficou mais pobre, com a inflação desencadeada pelo aumento dos preços dos grãos e dos combustíveis fósseis.

Com isso foi preciso empurrar para a frente a data de 2030 para que a pobreza extrema seja declarada mundialmente extinta --meta que chegou a ser definida pela tecnocracia do Banco Mundial. Ou então que essa forma mais aguda permaneça residual, só em alguns bolsões.

Apesar desse quadro pessimista, os participantes da discussão, como o economista Paul Blake, afirmam que a longo prazo o que ocorreu foi a diminuição da velocidade com a qual caíam a miséria e a pobreza. Não há, felizmente, reversão dessa tendência. Em termos mundiais a pobreza não irá voltar a seus antigos e dramáticos patamares.

Mas, afinal, como é que esses tecnocratas de Washington definem o que é um cidadão extremamente pobre? O ponto de partida seria a subsistência com um padrão de consumo, em 1990, inferior a US$ 1 por dia. O valor foi sendo com o tempo atualizado e hoje, em razão da inflação americana e de variações do poder de compra, chegamos a US$ 2,15.

Não é esse ainda, no entanto, o resultado de uma visão correta sobre a pobreza. Esses US$ 2,15 se referem ao que demógrafos e economistas do Banco Mundial consideram a linha média de pobreza para países com renda baixa. Para os localizados na outra extremidade, do padrão de EUA e Alemanha, a linha de pobreza se situa em US$ 6,85 por dia.

Mastiguemos essas duas informações com mais detalhes. Caso um pobre alemão vivesse com o mesmo poder de compra num país com custo de vida bem mais baixo, como Senegal ou Equador, seus US$ 6,85 permitiriam um padrão de vida mais próximo ao da baixa classe média -ele não estaria perto da linha de pobreza.

Um detalhe importante. Falamos aqui de renda no geral, não apenas no salário. É por isso que o documento do Banco Mundial cita o exemplo de uma mãe solteira colombiana, Sonia Cifuentes. Ela é uma das beneficiadas por um programa semelhante ao Bolsa Família brasileiro. E sua condição de mulher pobre em Bogotá era dada como beneficiária dessa bolsa, não pelo salário -que ela perdeu ao ser demitida no início da pandemia.

Poderíamos nos perguntar, por fim, como é que o Brasil é retratado por esse relatório. Pois bem, o Banco Mundial não é como agências da ONU que, após um sobrevoo global, fornecem um perfil de cada país-membro. O relatório é mais lacônico, e o exemplo brasileiro surge de maneira periférica. Diz, por exemplo, que em 2020 a miséria diminuiu em razão do auxílio de emergência concedido pelo governo federal.

Mas em outro trecho o documento relata que esse auxílio foi "consideravelmente reduzido" em 2021, quando o mercado de trabalho não havia ainda se recuperado da crise da pandemia. Com isso, a pobreza brasileira aumentou em 6%, segundo cálculo de outro documento interno do Banco Mundial.


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