SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Até que ponto a Europa usou dois pesos e duas medidas para recepcionar de má vontade os refugiados sírios, que escapavam da guerra civil em 2015, e para abrir os braços para acolher os ucranianos, que fugiam da guerra iniciada em fevereiro após a invasão russa?
Essa questão não é fácil de responder. E foi uma das que mais encafifaram os cinco participantes de um webinário produzido pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).
O tema do debate não foi propriamente a comparação da recepção aos refugiados das duas nacionalidades. Mas a discussão tomou esse rumo no momento em que os especialistas relatavam a receptividade naturalmente mais positiva aos deslocados da Ucrânia.
Na Polônia, por exemplo, segundo Marta Pachocka, da Universidade de Varsóvia, foi desnecessária a mobilização do governo central para a chegada dos ucranianos. As ONGs, os governos locais e a sociedade civil como um todo se encarregaram voluntariamente da tarefa. "O próprio governo ficou surpreso com a boa vontade que surgiu em torno dos ucranianos", disse ela.
Mas os sírios também viveram bom momentos, observou outra pesquisadora, Rana Khoury, pós-doutoranda da Universidade Princeton. Referiu-se à comoção internacional despertada, em setembro de 2015, pelo cadáver do menininho Alan Kurdi, fotografado com o rosto voltado para a areia de uma praia em que naufragou com sua família.
Na época, Alemanha e Áustria anunciaram estar com suas fronteiras abertas aos sírios. E, no Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau fez questão de receber pessoalmente um avião com refugiados da guerra civil daquele país.
Foram, no entanto, episódios excepcionais. A União Europeia, disse Khoury, estava mais preocupada em dar dinheiro para que a Turquia não abrisse suas fronteiras e favorecesse a chegada descontrolada de sírios ao continente. E, de fato, 1,8 milhão de refugiados sírios foram mantidos em território turco. A Alemanha foi uma exceção europeia à regra, com a chegada a conta-gotas de, ao todo, 1 milhão de sírios.
Seria pertinente perguntar por que a Polônia não fez a mesma coisa naquela época e esperou para ser generosa apenas com os ucranianos. A resposta é complexa, e com relação a ela os poloneses até podem ter sólidos motivos.
É o que indiretamente argumentou Martin Rozumek, pesquisador e alto funcionário da República Tcheca. Ele afirma que, em seu país, antes da invasão russa, já havia uma forte comunidade ucraniana de imigrantes econômicos, embora menos numerosa que a fixada na Polônia.
"Meus filhos frequentavam casas de crianças ucranianas, e os pais delas visitavam minha casa", disse ele. Essa proximidade cultural inexistia com os sírios. Rozumek ainda diz que infelizmente os sírios foram apontados como "o outro", numa relação excludente de alteridade cultural.
Eram muçulmanos em terras secularmente cristãs e, além disso, apontados pela extrema direita, interessada em amedrontar, como refugiados no meio dos quais se escondiam terroristas. O fato é que foram raros os exemplos nacionais de boa vontade para com os sírios, como aconteceu na Suécia ou na Noruega.
E eu acrescentaria que a islamofobia -"não queremos essa gente por aqui"-- foi um dos argumentos que levaram o Reino Unido a votar pelo brexit e deixar a União Europeia. O governo britânico resistia às cotas para receber refugiados do Oriente Médio.
Há outras diferenças sutis entre as duas nacionalidades. Os refugiados sírios precisavam aceitar o destino que lhes fosse designado, enquanto os ucranianos podem escolher hoje o país no qual pretendem viver. A opção é um pouco mais complicada, mas o resultado é esse.
E nenhum dos dois grupos é favorecido por seus laços internacionais, já que a Ucrânia foi invadida pela mesma Rússia que apoia militarmente a ditadura da Síria.
Vejamos a questão de gênero na emigração. A Ucrânia retém seus homens adultos em idade de serviço militar. Mais que lógico, em razão do recrutamento para a guerra.
Com isso, 95% dos refugiados ucranianos na Polônia são mulheres e crianças. Dependendo do número de filhos, são estrangeiros menos "rentáveis" do que se fossem constituídos por uma mão de obra em boa parte masculina. Os demógrafos enunciam esse argumento com muito cuidado, para não caírem indevidamente em interpretações sexistas.
De qualquer modo, o governo polonês não se queixa e acaba de aprovar, depois de meses de estudos, uma política que dá aos refugiados acesso a todos os serviços públicos do país. O que não deixa de ser uma prova política de civilidade.
REFUGIADOS E A GUERRA NA UCRÂNIA
Onde: Áudio do seminário disponível online
Link: https://www.international.ucla.edu/euro/article/256591
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