SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na viagem que fez nesta semana a Pequim para se encontrar com o líder chinês, Xi Jinping, o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, tinha duas tarefas. Por um lado, reforçar os acordos assinados entre ambos os países, sobretudo um pacto de investimentos de 25 anos. Do outro, reatar elos, já que em dezembro Xi se reuniu em Riad com rivais regionais de Teerã ?Arábia Saudita à frente?, numa cúpula definida pelos chineses como "esplêndido capítulo de solidariedade, assistência mútua e cooperação ganha-ganha".
O comunicado conjunto após o encontro defendeu a reivindicação dos Emirados Árabes Unidos sobre três ilhotas no estreito de Hormuz, disputadas desde 1971 pelo Irã, e a necessidade de Teerã cooperar com a Agência Internacional de Energia Atômica, supervisora do pacto para limitar seu programa nuclear.
O regime persa não ficou feliz com o que chamou de "alegações sem base" e convocou o embaixador chinês para expressar insatisfação, mas não teve muito mais o que fazer diante de seu maior parceiro comercial e uma das poucas nações que desafiam as sanções americanas ao petróleo e ao gás iranianos.
Os movimentos chineses de dezembro passado e agora acontecem a despeito dos incômodos gerados regionalmente e até internos no Irã, reflexo da política externa pragmática de Pequim. Segundo Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), elites políticas iranianas têm criticado o governo pelo que entendem como subserviência à China.
"Bastante isolado do sistema internacional, o Irã não tem muitas opções. A visita de Raisi demonstra a compreensão do regime iraniano de que não há outra saída além de se aproximar dos chineses", afirma.
A rivalidade com sauditas e outras monarquias do golfo é histórica. Ganhou força com a revolução de 1979, diante do medo dos vizinhos de que a ebulição política fosse exportada, foi ampliada com o apoio de Teerã a grupos políticos no Iraque e no Iêmen e tomou novos contornos com os Acordos de Abraão, em 2020, quando Bahrein e Emirados Árabes passaram a reconhecer Israel como Estado. Para Andrew Traumann, professor de história das relações internacionais no Centro Universitário Curitiba e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Oriente Médio, a Arábia Saudita não deve tardar a entrar nesse grupo.
"Está se formando um bloco em que o Irã é o grande inimigo do mundo árabe, ao contrário do que ocorre historicamente com Israel, o grande inimigo do mundo muçulmano em geral", afirma ele.
Para além do Oriente Médio, esse isolamento tem origem principalmente nas sanções impostas por países ocidentais, em particular os Estados Unidos, em punições que datam desde a década de 1980 e que se intensificaram depois de 2018, quando o então presidente americano Donald Trump decidiu deixar o acordo nuclear assinado três anos antes com outros cinco governos além de Washington e Teerã, incluindo China e Rússia, o que fez com que as expectativas do fim do embargo se dissipassem.
Essa situação mantém, entre vaivéns, tudo como era antes: alvo de sanções, o Irã segue enriquecendo urânio e expandindo seu programa nuclear enquanto a negociação não anda, embora o pacto ainda esteja tecnicamente em vigor e exista alguma fiscalização por parte da agência da ONU responsável pelo tema.
No início deste mês, a Agência Internacional de Energia Atômica criticou Teerã por mudanças não declaradas em centrífugas para enriquecimento de urânio com até 60% de pureza na usina de Fordow, , patamar considerado pelo órgão próximo do necessário para produção de armas nucleares.
Os protestos no Irã após a morte da curda Mahsa Amini, em setembro, já são muito menores desde que foram reprimidos pelo regime, com execuções e prisões, e compõem o argumento de Washington para manter as sanções, embora o regime iraniano já trate o que chama de "revoltas" como página virada.
O resultado prático atual do embargo é a busca do Irã por parceiros comerciais que tenham interesse em desafiar as punições, o que significa a integração de Teerã à zona de influência desses países em meio à Guerra Fria 2.0. O caso mais recente é a entrada do país na Organização de Cooperação de Xangai, grupo de segurança asiático liderado pela China, prevista para se tornar oficial ainda no primeiro semestre.
"O episódio dos balões chineses nos EUA, as previsões de analistas de que haverá uma guerra [entre China e EUA], tudo que gera algum tipo de clivagem é bom para o Irã, porque é um desafogo para o seu isolamento. Foi assim com a eclosão da Guerra da Ucrânia. Mostra-se que outras potências, médias ou grandes, também estão enfrentando a ordem internacional ocidental", afirma Amaral, da PUC-SP.
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