SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O número de mortes causadas pelo naufrágio de um navio de migrantes em Crotone, no sudoeste da Itália, subiu a 62 nesta segunda-feira (27) --um dia depois que a embarcação, superlotada, colidiu com rochas próximas à costa durante uma tempestade na região da Calábria.
Autoridades locais afirmam que cerca de 80 pessoas sobreviveram ao desastre. Ao menos 30 continuam desaparecidas, entretanto, partindo do número aproximado de passageiros que embarcaram no navio quando ele partiu de Izmir, na Turquia, na semana passada, oriundos do Afeganistão, Irã, Paquistão e Síria.
A polícia italiana deteve três pessoas e as acusou de traficar migrantes sem documentos. Um quarto suspeito segue foragido.
A tragédia ocorre dias após o Parlamento italiano aprovar leis que limitam resgates feitos por organizações humanitárias no mar. De acordo com as novas regras, apoiadas pelo governo de ultradireita da primeira-ministra Giorgia Meloni, navios humanitários podem fazer apenas um resgate por saída, e estão sujeito a multas de até EUR 50 mil (R$ 259 mil) caso desobedeçam as medidas.
Críticos afirmam, porém, que a nova legislação aumenta o risco de mortes dos migrantes, uma vez que essas embarcações humanitárias costumavam navegar por dias a fio, concluindo vários resgates em seu curso.
Representantes da ONG Médicos sem Fronteiras (MSF) afirmaram nesta segunda que a tragédia em Crotone foi uma consequência direta das novas leis. O ministro do Interior, Matteo Piantedosi, retrucou afirmando que "o desespero nunca deveria justificar condições de viagem que põem em risco vidas de crianças". Ele fazia referência ao fato de que muitos dos passageiros da embarcação eram menores de idade --14 crianças morreram, incluindo um recém-nascido, e várias outras continuam desaparecidas.
Aquelas que sobreviveram, mas perderam os pais, tiveram suas guardas assumida por ONGs como a italiana Save the Children ou a própria MSF. Sergio di Dato, coordenador da equipe de psicólogos dos Médicos sem Fronteiras enviado ao local, contou que este foi o caso de um menino afegão de 12 anos que perdeu nove parentes, incluindo a mãe, o pai e os quatro irmãos.
As buscas continuavam no dia seguinte à tragédia, com bombeiros da cidade vizinho de Cutro se juntando aos policiais de Crotone e os auxiliando com helicópteros. Enquanto isso, dezenas de caixões aguardavam por corpos em um ginásio esportivo do próprio povoado. Moradores do local deixaram flores e velas na grade do ginásio em homenagem às vítimas.
A declaração de Piantedosi, alçada a título de várias reportagens na imprensa italiana, ecoava uma declaração da própria Meloni na véspera. Na ocasião, ela afirmou que era "desumano trocar a vida de homens, mulheres e crianças pelo preço de uma passagem paga com a falsa perspectiva de uma viagem segura". O combate à migração irregular foi uma das principais bandeiras da coalização de partidos à direita que levou a primeira-ministra ao poder.
A Itália é uma das maiores portas de entrada da Europa a requerentes de asilo que vêm do norte da África por via marítima --mais de cem mil pessoas chegaram ao território de barco no ano passado. O país em forma de bota se queixa, porém, que outros integrantes da União Europeia não dividem com ele a responsabilidade de acolher esses indivíduos, mesmo que boa parte deles não permaneça na península, e sim tente a chegar a países mais ricos com a ajuda de redes de contrabandistas.
Em novembro, a recusa da Itália em receber um navio com imigrantes a bordo provocou uma rusga diplomática com a França, porque a embarcação, que levava mais de 200 pessoas resgatadas por uma ONG, acabou rumando para o porto militar de Toulon depois de ficar dias à deriva na costa italiana. A atitude de Roma foi classificada de "egoísta" e "incompreensível" por Paris.
De acordo com o Projeto de Migrantes Desaparecidos da Organização Internacional para as Migrações (OIM), braço da ONU para o tema, mais de 20 mil migrantes morreram ou desapareceram no Mediterrâneo central desde 2014.
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