SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se há duas décadas o mundo vive o que parte dos acadêmicos chama de terceira onda de autocratização, o cenário pode ter chegado ao pior estágio já registrado: há um número recorde de países se autocratizando, aponta relatório do instituto V-Dem lançado nesta quinta-feira (2).
O material, publicado anualmente e considerado uma das referências globais em classificação de regimes políticos, afirma que 42 países estavam nesse processo no final de 2022 ?no ano anterior, eram 33.
O Brasil integra essa lista, ao lado de nações como Polônia, El Salvador e Índia ?mas o material do instituto sueco diz que há uma janela de oportunidade após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o Estado reverta isso e escape da designação.
Estar em processo de autocratização significa que uma nação está perdendo pilares fundamentais de uma democracia ?como alternância de poder, liberdades de expressão e de imprensa e eleições competitivas.
A designação se refere tanto a democracias, como o Brasil, que rumam para regime autocráticos, quanto a autocracias eleitorais (que possuem eleições multipartidárias, mas estão aquém de outros pilares democráticos) que caminham para uma ditadura ?é este o caso da Índia.
O alerta de preocupação se intensifica uma vez que muitos dos países guinando para autocracias têm grandes populações: juntos, afinal, eles abrigam 43% da população global. Em 1999, mostra o relatório, apenas 3% viviam em países que estavam se autocratizando.
Mais do que isso, muitos dos autocratizadores globais são países com grande capacidade de influência regional e mesmo global, como é o caso da Rússia de Vladimir Putin, com esfera de influência importante no que diz respeito às ex-repúblicas soviéticas ao seu redor.
Segundo o V-Dem, que usa mais de 500 índices e 4.000 avaliadores de todo o mundo para classificar os regimes políticos, o nível de democracia regrediu ao que era observado em 1986. Mais grave é a situação na região da Ásia e do Pacífico, que retrocedeu a níveis de 1978.
O relatório calcula que, pela primeira vez em 20 anos, o número de ditaduras é maior que o de democracias liberais ?aquelas que, além de eleições multipartidárias e garantias institucionais, têm supervisão efetiva do Executivo por parte do Legislativo e do Judiciário.
A diferença é pequena em cifras totais: são 32 democracias liberais ?ante 44 há cerca de dez anos? e 33 ditaduras ?ante 22. A diferença está no contingente populacional que agregam: democracias plenas, como Noruega e Espanha, têm em geral menos habitantes; elas reúnem 13% da população global. Já as ditaduras abraçam a fatia de 28%.
O Irã é uma das "novas ditaduras". Antes considerado autocracia eleitoral, o país migrou em 2022 para a lista das ditaduras fechadas após a repressão do regime teocrático aos protestos que sucederam a morte da jovem curda Mahsa Amini, detida por supostamente não usar o véu islâmico de maneira correta.
O relatório também ressalta os mecanismos usados por líderes avessos à democracia para corroer o sistema. Um deles, talvez o principal, é o cerceamento da liberdade de imprensa. O direito está se deteriorando em 35 países, segundo o V-Dem. Há dez anos, eram apenas sete.
O debate sobre o refluxo das democracias tem crescido ao longo dos últimos anos, em especial após a eleição de Donald Trump nos EUA e, em 2021, a invasão do Capitólio, a sede do Legislativo, insuflada pelo republicano. Mas também há dissonância na comunidade acadêmica.
Pesquisa recente sugeriu que o cálculo dos indicadores de regimes políticos tem sido influenciado pela subjetividade dos pesquisadores, que estariam, em sua maioria, desanimados com o lento avançar da democracia em algumas regiões. O V-Dem respondeu.
O instituto sueco disse, em linhas gerais, que o modelo de medição usado já inclui tecnologias para levar em conta que, por vezes, um ou outro pesquisador pode fornecer avaliações tendenciosas, de modo a amortizar a subjetividade dos acadêmicos.
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**AS DESIGNAÇÕES DE REGIMES POLÍTICOS**
- **Ditaduras** Não há eleições para Executivo e Legislativo ou elas se dão sem competição efetiva, como em regimes de partido único;
- **Autocracias eleitorai**s Possuem eleições multipartidárias, mas estão aquém de outros pilares democráticos por irregularidades em garantias institucionais, como liberdade de expressão;
- **Democracias eleitorais** Possuem eleições multipartidárias para a chefia do Executivo e garantias institucionais ?é o caso do Brasil;
- **Democracias liberais** Além de eleições multipartidárias e garantias institucionais, têm supervisão efetiva do Executivo por parte do Legislativo e do Judiciário e por haver vigilância e proteção real das liberdades civis e do Estado de Direito.
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Relatório
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