SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ucraniano Olexiy Haran, professor de política comparada na Universidade Nacional de Kiev, passou os últimos meses viajando pelo chamado Sul Global --esteve em Gana, Nigéria, Indonésia, Quênia e Etiópia. Agora está no Brasil junto com uma delegação da sociedade civil da Ucrânia que inclui Oleksandra Drik, do Centro de Liberdades Civis (CCL), uma das organizações vencedoras do Nobel da Paz em 2022.

O objetivo é combater o que ele chama de narrativas falsas sobre a Guerra da Ucrânia que a Rússia vem disseminando em países em desenvolvimento como Brasil, Índia e nações africanas. "Os russos promovem as narrativas de que a guerra não é uma agressão da Rússia contra os ucranianos e uma violação da soberania da Ucrânia; dizem que é uma guerra por procuração entre Rússia e Otan [aliança militar ocidental], e isso é mentira", diz Haran à reportagem.

Segundo ele, essa campanha de desinformação tem levado muitos países a condenar, em resoluções das Nações Unidas, as violações territoriais -mas a reação contra a guerra acaba parando por aí.

Na última ocasião, em que o texto da ONU condenava a invasão da Ucrânia e pedia a retirada das tropas russas, 141 países --entre eles o Brasil-- votaram a favor, 7 contra, e houve 33 abstenções. Para Haran, o apoio dessa maioria é importante, mas insuficiente para conter a agressão de Moscou.

O ucraniano defende que o Brasil rompa relações comerciais com a Rússia e envie armamentos ou munições à Ucrânia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no entanto, já afastou a possibilidade de impor sanções contra Moscou, o que segue a tradição diplomática brasileira, de apenas adotar sanções multilaterais, endossadas pela ONU.

"Cada real que é pago pelo Brasil a [Vladimir] Putin aumenta as possibilidades de ele bombardear civis na Ucrânia", argumenta o professor, que, ao lado da delegação ucraniana, reuniu-se com senadores, deputados federais, integrantes do governo e ONGs no Brasil.

Em janeiro, o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, chegou a pedir que Lula enviasse munição para os tanques utilizados pela Ucrânia em combate. O petista vetou a solicitação para manter a neutralidade e não provocar os russos.

"Não há como ser neutro diante de violações tão chocantes da lei internacional", rebate Haran, que também é diretor de pesquisa da Fundação de Iniciativas Democráticas, um dos principais think tanks da Ucrânia. "Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil hesitou no início, mas tomou a decisão correta e se uniu à coalizão contra Hitler."

Haran também se mostra cético em relação à iniciativa de Lula de formar um clube da paz integrado por países supostamente neutros para intermediar negociações entre Moscou e Kiev. "Como Lula vai persuadir Putin a retirar suas tropas da Ucrânia? Se ele conseguir, vai merecer o Nobel da Paz, e todos nós ucranianos seremos os primeiros a apoiar."

O acadêmico também rechaça a ideia de ter a China como intermediador, como aventado por Lula e pelo próprio regime de Xi Jinping --que detalhou suas próprias diretrizes para as negociações. "A China, assim como a Índia, repete a retórica pró-Russia de que o Ocidente, mau, é responsável pela guerra; duvido que a China fosse apoiar uma solução justa. Os chineses jogam seu próprio jogo, tudo de olho nos EUA", diz.

Mas Haran acredita que há, sim, um papel a ser desempenhado pelo Brasil. "Seria muito bom se o presidente Lula pressionasse Putin a parar de fazer chantagem nuclear", diz o ucraniano. Ele defende que o país se junte a China e Índia, que já dera mostrar de não apoiar ameaças de Putin nesse sentido, para exigir, por exemplo, a retirada das tropas russas da usina de Zaporíjia, a maior planta nuclear da Europa.

O ucraniano também pede apoio à iniciativa de constituir um tribunal de crimes de guerra ligado à ONU para apurar violações da lei internacional durante o conflito. A União Europeia propôs o estabelecimento desse colegiado e agora tenta angariar apoio internacional. Segundo o chanceler da Ucrânia, Dmitro Kuleba, 30 países apoiam a iniciativa. Na América Latina, só a Guatemala se mostrou favorável.

Para Haran, esse nível de hesitação se deve ao que ele chama de mentalidade de Guerra Fria que ainda domina partes da África, América Latina e Ásia e leva países a se alinharem à Rússia para mostrarem oposição aos EUA. "Alguns governos pensam: 'a União Soviética apoiou nossa luta contra as potências ocidentais coloniais, então nós vamos apoiar a Rússia contra o Ocidente'", diz. "Outros governos querem apenas reforçar seu poder de barganha entre as potências em um cenário multipolar."

Ele também aponta para o antiamericanismo prevalente em regiões da América Latina e diz que há motivos para esse sentimento. "Mas, veja, é possível condenar os Estados Unidos e a invasão dos americanos no Iraque sem apoiar a agressão russa e a tentativa de destruir os ucranianos."


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