PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarca na China nesta quarta-feira (12) ainda com negociações comerciais e financeiras em andamento com o país de Xi Jinping. Os dois têm encontro marcado na sexta, em Pequim. Antes, na quinta, Lula vai à posse da ex-presidente Dilma Roussef no Banco do Brics, em Xangai.

Lula quer investimento em novos ativos produtivos e de infraestrutura, inclusive ferrovias e hidrelétricas, enquanto o colega chinês cobra para tanto a entrada formal do país na Iniciativa Cinturão e Rota, que completa dez anos em setembro.

Integrantes da comitiva brasileira deram sinais tanto na direção de que Lula pode assinar um memorando para entrar no programa chinês, que já abrange 21 países latino-americanos, como pode se limitar a um apoio simbólico, sem adesão formal.

O assessor especial de Lula, Celso Amorim, não confirma, mas não se opõe mais à BRI (sigla em inglês para a iniciativa). "É um rótulo para o programa de investimentos voltados à infraestrutura", diz. "Vários países europeus e muitos da América Latina, especialmente da América do Sul, são parte do projeto. Não vejo razão para o Brasil ficar de fora." Para Amorim, a adesão vai depende do que é "oferecido de concreto, em termos reais", e não há "nenhum mal em ter o nome, se isso ajuda a incluir mais investimentos".

Outro membro da comitiva diz ser possível, caso a contrapartida chinesa em acordos de investimentos não seja de grande peso, que o Brasil apoie projetos da BRI em outros países, como teria feito a França.

Brasília quer evitar que se repita o que aconteceu com a Huawei no governo Jair Bolsonaro, que de início se bateu contra o gigante chinês de tecnologia 5G e no final cedeu sem negociar contrapartida.

"Se a adesão significar que a China está disposta a financiar ferrovias ou portos, esse tipo de projeto que o Brasil não consegue financiar, teria benefício óbvio e faria sentido", comenta o embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. "Nessa visita talvez se vá esclarecer esse ponto."

O fundador da Frigoestrela e ex-deputado Etivaldo Vadão Gomes, que viajou a Pequim para negociações envolvendo o setor, defende a adesão. "Sou favorável, eu pessoalmente acho muito importante. A China é o principal comprador de tudo nosso. Também já é o principal investidor na infraestrutura brasileira."

A mídia estatal chinesa tem anotado o desejo brasileiro de maior investimento não só em infraestrutura, mas na "diversificação" econômica. Por exemplo, ouviu de Jianwei Chen, executivo do setor de maquinário e professor da Universidade de Economia e Comércio Exterior de Pequim, que "o Brasil está aproveitando esta oportunidade para atrair investimentos chineses e desenvolver a indústria brasileira".

Ganha atenção também que o primeiro passo para isso seria o país entrar na BRI. Um artigo de Liang Haiming e Feng Da Hsuan, da Universidade de Hainan, foi publicado na mesma edição do China Daily em que saiu um artigo do chanceler brasileiro, Mauro Vieira. É o jornal mais identificado com a política externa chinesa.

O texto salienta que aderir à BRI seria "uma bênção para o Brasil" e que "a comunidade internacional está esperando". Sustenta que "o Brasil precisa atrair mais investimentos para impulsionar sua economia, e a China, como segunda maior economia do mundo, pode dar uma mãozinha nesse sentido".

Por fim, lembra que Lula pouco conseguiu em sua visita recente ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e nas negociações ainda sem avanço para o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia.

Na segunda-feira, questionado em entrevista coletiva sobre a entrada do Brasil na BRI, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, evitou responder diretamente. "Nós estamos dispostos a trabalhar com todos os membros da comunidade internacional", disse.

De sua parte, os EUA mostram publicamente preocupação com a adesão brasileira ao projeto. Foi um dos focos de audiência há três semanas na Comissão de Relações Exteriores do Senado, quando a relutância do Brasil, tratado erroneamente como "o único país da América Latina que ainda não se juntou à Iniciativa Cinturão e Rota da China", foi saudada como uma nova chance para o governo americano.

Segundo a senadora democrata Jeanne Shaheen, que está na linha de frente contra Pequim em Washington, "isso mostra que ainda há muitas oportunidades para os EUA avançarem de maneiras que não fizemos até agora, em termos de investimento", junto ao Brasil. A audiência, mais uma vez, nada revelou de concreto nessa direção.

Quatro dias antes do encontro com Xi, Lula foi chamado a participar da cúpula do G7 em Hiroshima no mês que vem, ao lado de Biden, após alguns dias de especulação em torno da confirmação do convite.

Questionado antes da confirmação, Amorim comentou: "Olha, vou dizer francamente, o G7 de hoje precisa mais do Brasil do que o Brasil do G7. É por isso que foi criado o G20. Na realidade não sou eu, [o ex-presidente Barack] Obama disse que o G20 era o mais importante órgão econômico". O Brasil assume a presidência do G20 em dezembro.

ACORDOS

Com a negociação ainda aberta quanto aos investimentos chineses, o pecuarista Vadão Gomes se volta para os acordos mais imediatos do setor, que foi o que mais reuniu empresários na viagem inicial à China, duas semanas atrás.

Entre outras demandas antigas a serem anunciadas, como a certificação digital, ele relata que "ficou combinado de o presidente Lula dar a notícia" de que será revisto o protocolo Brasil-China de 2015, "no sentido tanto da carne bovina como da suína". Argumenta que o protocolo "é muito prejudicial ao Brasil em relação a outros fornecedores, EUA, Austrália, Argentina, que podem mandar carne com osso, exportar qualquer idade, quando nós temos só até 30 meses".

Outros dois acordos adiados, até o encontro de Lula com Xi, seriam a confirmação da instalação da fábrica chinesa de carros elétricos BYD na Bahia e a venda para companhias chinesas de 20 jatos comerciais da Embraer, do modelo E195-E2, de até 144 lugares.

Duas semanas atrás, após a repercussão negativa do adiamento dos acordos, parte acabou sendo anunciada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), em Pequim.

Entre eles, a compra de cinco navios da chinesa Cosco pela brasileira Suzano e um acordo da Vale com o banco chinês ICBC (Industrial and Commercial Bank of China) "para cooperação financeira envolvendo linhas de crédito abrangentes para mineração no Brasil".

A ApexBrasil também informou na ocasião que o ICBC passaria a atuar como banco de compensação da moeda chinesa no Brasil, dando mais um passo no memorando assinado pelos dois bancos centrais no início do ano. Segundo a agência, "as reduções das restrições ao uso do renminbi objetivam promover ainda mais o comércio bilateral e facilitar investimentos".

A perspectiva de comércio sino-brasileiro em renminbi ou yuan, como a moeda também é chamada, alcançou grande repercussão nos EUA e em outros países, sendo tratada como uma ameaça ao dólar.

Na comitiva brasileira, trata-se de conter as expectativas. A avaliação é que o impacto sobre o comércio será definido pelo uso que os exportadores brasileiros queiram fazer do novo recurso, com a vantagem de uma só operação de câmbio e uma só incidência de tarifa bancária.

Em condições de mercado, a atração pela exportação sem dólar será definida pela taxa cambial que o banco conseguir estabelecer, entre o real e o renminbi, e também pela tarifa que cobrar. Um fator que pode mudar o quadro seria uma instrução de Pequim aos seus importadores.

Além dos eventos com Xi Jinping e Dilma Rousseff, estão previstas reuniões do presidente brasileiro, na sexta, com o presidente do Congresso Nacional do Povo, Zhao Leji, e com o primeiro-ministro Li Qiang. No sábado, reúne-se em Abu Dhabi com o líder dos Emirados Árabes Unidos, Mohamed bin Zayed.


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