SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem nunca viu um retrato do presidente da França, Emmanuel Macron, talvez achasse que ele era um pop star se o avistasse na China na semana passada. Vídeos de sua viagem oficial ao país o mostram o sendo saudado por multidões e por gritos de "eu te amo".
Coincidência ou não, o chefe de Estado publicou ao final da visita uma espécie de videoclipe intercalando cenas da visita e frases de efeito em uma montagem descolada para as redes sociais.
A viagem até poderia ser logo esquecida em favor dos problemas mais urgentes que Macron enfrenta na França, onde a impopular reforma da Previdência promovida por seu governo continua motivando protestos --o próximo está marcado para esta quinta-feira (13).
Mas seus efeitos ganharam novas dimensões esta semana, depois da publicação de uma entrevista em que Macron defende uma "autonomia estratégica" da Europa também em relação à disputa crescente entre Estados Unidos e China. A aceleração de um conflito entre as duas superpotências, disse ele aos veículos Les Échos e Politico, faria com que o continente "se tornasse vassalo quando poderia se tornar uma potência alternativa".
O conceito na verdade é antigo, e propõe uma maior independência do bloco em relação a países de fora dele em âmbitos como energia, defesa, tecnologia e outros. Mas a declaração de Macron, que se deu horas antes de a China simular um "cerco total" a Taiwan, um dos pontos de maior tensão do regime com os Estados Unidos, causou furor na Europa --que só fortaleceu seus laços com os aliados americanos desde o início da Guerra da Ucrânia, maior conflito no território desde a Segunda Guerra Mundial.
É justamente esse contexto que fez muitas lideranças do Leste Europeu expressarem preocupação diante da fala de Macron. Segundo elas, o francês estaria abrindo uma brecha para um desmantelamento da unidade transatlântica no momento em que ela é mais necessária.
"Precisamos enxergar de maneira clara quem é nosso aliado e quem não é" afirmou o ministro das Relações Exteriores da República Tcheca, Jan Lipavsky, à agência de notícias Reuters. "Relações fortes entre a Europa e os EUA são a base da nossa segurança."
Na Polônia, quem se pronunciou foi o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki. "Em vez de construir uma autonomia estratégica em relação aos EUA, proponho uma parceria estratégica", disse ele na terça-feira antes de embarcar para uma visita oficial justamente para Washington.
Também na Europa Central diplomatas e analistas se opuseram às falas do presidente francês. Os mais ácidos disseram que Macron foi acometido por um surto de megalomania e que a viagem para a China foi um "golpe de propaganda para Xi Jinping". Outros, mais comedidos, afirmaram que ele não tem condições de falar pelas demais nações do continente ou pela União Europeia.
Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia que acompanhou o francês na viagem à China, mostrou-se bem menos disposta quanto aos laços do bloco com Pequim. Ela pressionou o regime por um posicionamento mais duro em relação à Guerra da Ucrânia, criticou o desequilíbrio entre as duas partes na economia, e cobrou mais respeito aos direitos humanos.
Nesta quarta, porém, o chefe do Conselho Europeu, Charles Michel, insinuou que as ideias do francês não estão isoladas entre os demais líderes do bloco, que estariam se mostrando cada vez mais abertos à proposta de não se alinhar automaticamente a Washington. "Tem havido um grande avanço no que se refere à autonomia estratégica em comparação aos anos passados", afirmou o belga à TV francesa.
Os EUA ainda não se pronunciaram oficialmente sobre o tema --o que não impediu alguns políticos de pegarem carona no episódio. Foi o caso do senador republicano Marco Rubio, que disse que se a Europa não "escolher lados entre os EUA e a China em relação à Taiwan, então talvez eles não devessem estar escolhendo quem apoiar" na Guerra da Ucrânia. Enquanto isso, o ex-presidente Donald Trump chamou o presidente francês de "puxa-saco" de Pequim em uma entrevista à Fox News.
Macron, que está em viagem oficial à Holanda, recusou-se a responder ao comentário de Trump ao ser questionado por jornalistas. Em Amsterdã, reiterou seu posicionamento e afirmou que ser "ser um aliado [dos EUA] não significa ser um vassalo, que não temos direito de pensar por nós mesmos".
Ao mesmo tempo, tentou colocar panos quentes na questão de Taiwan. Na entrevista original, ele havia afirmado que não era do interesse dos europeus acelerar a crise na ilha, considerada uma província rebelde pelo regime chinês.
"A posição da França e da Europa continua a mesma. Somos a favor do 'status quo'", disse, em referência à autonomia da ilha, que tem um governo democrático. "Então não, a França não apoia provocações, não participa de política de mentirinha e considera o status quo, o respeito e a clareza os melhores aliados da autonomia estratégica da Europa."
Antes, políticos locais se indignaram com as falas do líder centrista. "Liberdade, igualdade e fraternidade saíram de moda?", questionou em uma rede social o presidente do Parlamento de Taiwan, You Si-kun, citando o lema da Revolução Francesa. O chanceler taiwanês buscou minimizar os comentários de Macron ao agradecer a França "por expressar preocupação com a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan muitas vezes e em muitos eventos internacionais".
Em meio a toda a repercussão, quem não teve motivos para se queixar foi o regime de Xi Jinping. O jornal Global Times, alinhado ao Partido Comunista Chinês, descreveu a entrevista de Macron como o claro "resultado de uma reflexão de longo prazo", e uma representação das "verdadeiras vozes e interesses dos europeus" em comparação com a "falsa Europa" construída pela opinião pública --mesmo que, como escreveu Hu Xijin, ex-chefe de Redação do veículo, seja irreal achar que Paris ficaria do lado de Pequim caso o país asiático entrasse em conflito com Washington.
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