WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um possível interesse dos EUA na continuidade da Guerra da Ucrânia e a recepção do chanceler russo em Brasília continuam a repercutir em Washington, onde nesta terça (18) membros do governo Biden voltaram a condenar a postura do petista.

"O Sul Global está sendo impactado não só pela pandemia, mas por esse conflito", disse o diretor sênior de Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Juan Gonzalez, um dos principais conselheiros do presidente americano, o democrata Joe Biden, para América Latina.

"Países como o Brasil estão longe. Se perguntar a um brasileiro na rua qual é a opinião dele sobre Ucrânia, ele diria que está pensando mais em colocar comida na mesa, nas chances de educação e oportunidades econômicas do que no que alguns deles veem como um conflito na Europa que ocorre há 300 anos", disse.

"Temos uma Carta da ONU, temos certas responsabilidades que todos assinamos. Damos as boas-vindas a países como o Brasil que desempenham um papel de liderança pela paz. [Mas] a ideia de que os EUA não apoiam a paz ou têm algo a ver com o início da guerra simplesmente não tem relação com os fatos. Passamos todo o ano de 2021 tentando evitar que a guerra acontecesse e temos apoiado a paz", afirmou Gonzalez em evento organizado pela agência de notícias EFE e realizado na capital americana.

No domingo (16), Lula afirmou que os EUA e a Europa prolongam a guerra, numa referência velada ao envio de armamentos a Kiev. "Putin não toma a iniciativa de parar. [Volodimir] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os EUA continuam contribuindo para a continuação desta guerra", disse.

No dia seguinte, os EUA reagiram de maneira dura por meio do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, em conversa por telefone com jornalistas. "É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra. Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos", disse.

Nesta terça, as reações foram mais comedidas, mas as críticas persistiram. Brian Nichols, secretário-assistente do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental, afirmou que espera que o governo brasileiro tenha pedido cessar-fogo ao chanceler russo, Serguei Lavrov, que está em visita ao Brasil.

"Obviamente o Brasil é um país soberano e livre para conduzir suas relações diplomáticas com quem quiser. É importante que o Brasil continue a usar sua voz para apoiar valores democráticos, respeito aos direitos humanos e o Estado de Direito que sempre apoiou", disse, em resposta a pergunta da Folha de S.Paulo.

"Claramente a invasão sem provocação da Rússia à Ucrânia é tema de profunda preocupação de toda a comunidade internacional. Espero que o Brasil tenha aproveitado a visita de Lavrov para enfatizar a importância do respeito à lei internacional e o imediato cessar de hostilidades contra um estado vizinho."

A ressalva da soberania do Brasil também foi feita por Gonzalez ao comentar a proximidade de Lula com a China. "Estamos confiantes em nosso relacionamento [EUA-Brasil], porque o presidente [Biden] já teve várias conversas com Lula. Eles tiveram uma excelente visita enquanto estiveram aqui, e com certeza respeitam que o Brasil vai se relacionar com qualquer país que escolher", disse.

Questionado sobre a prevalência de investimentos chineses na América Latina, Gonzalez destacou o histórico de parcerias dos EUA na região, citando o desenvolvimento de agricultura e indústria siderúrgica brasileira com apoio americano. "Se você perguntar na rua a brasileiros ou argentinos, acho que eles serão capazes de falar mais sobre os EUA e seus sentimentos pelos EUA do que sobre a China", disse ele.

Na segunda-feira, após as falas de Kirby, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, rebateu as críticas. "O Brasil quer promover a paz, está pronto para se unir a um grupo de países dispostos a conversar sobre a paz", disse. "E essa foi a conversa que tivemos, foram os temas que abordamos. Ele [Lavrov] se ofereceu e eu me ofereci, em nome do Brasil, para promover essas conversas. Com o presidente também não se falou de guerra, e o presidente só reiterou o que tem dito, que o Brasil está disposto a cooperar com a paz."

Na viagem à China, Lula fez uma série de críticas aos EUA, questionou a predominância do dólar no comércio internacional e insinuou que Washington pressiona o Brasil a boicotar os chineses. Lula também visitou uma fábrica da Huawei, gigante das telecomunicações que é alvo de sanções dos EUA.

As declarações irritaram o governo americano, que alega que os brasileiros não têm prezado pelo equilíbrio em seus posicionamentos e teriam adotado clara oposição a Washington. O porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, também rebateu as falas do presidente brasileiro sobre a guerra, enfatizando que a Rússia é a "única responsável" pelo conflito.


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