SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo da Rússia uniu-se ao da China e criticou duramente o acordo nuclear anunciado nesta semana entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, que mira conter militarmente a ditadura de Kim Jong-un no Norte.
Pyongyang é aliada tanto de Moscou quanto de Pequim, fiadoras do norte comunista durante a guerra contra o sul capitalista apoiado por Washington na península, que a deixou dividida em um armistício que nunca virou acordo de paz em 1953.
"Esse desenvolvimento é claramente desestabilizador em sua natureza e terá sérias consequências negativas para a segurança regional, impactando a estabilidade global", afirmou em nota o Ministério das Relações Exteriores russo.
Para a pasta, o acordo "não traz nada além de uma escalada de tensões" e pode provocar "uma corrida armamentista" na região.
Na quarta (26), o presidente Joe Biden e seu colega sul-coreano, Yoon Suk-yeol, anunciaram uma expansão da aliança militar entre os dois países que prevê a instalação de um grupo conjunto para decidir o emprego de armas nucleares contra a Coreia do Norte em caso de ataque por parte da ditadura.
O tom de ambos foi francamente belicista, com o americano prometendo que "o fim do regime" caso Kim use bombas atômicas contra o Sul. Yoon, por sua vez, disse que não há mais espaço para "boa vontade".
O acordo prevê mais cooperação tecnológica entre os países --a Coreia do Sul é um dos principais produtores de chips avançados do mundo, ao lado do líder Taiwan. Os EUA não posicionarão armas nucleares táticas em solo sul-coreano, como ocorreu na Guerra Fria, e Seul prometeu não buscar desenvolver a bomba.
Isso dito, a primeira sinalização pública do acordo será o envio em breve a um porto sul-coreano de 1 dos 14 submarinos estratégicos da classe Ohio americana, a perna marinha da tríade de ataque nuclear de Washington.
Uma embarcação dessa não é vista na Coreia do Sul há 40 anos, justamente para não melindrar chineses e seus aliados norte-coreanos. Cada submarino, que tem propulsão nuclear, pode levar até 20 mísseis Trident 2, cada capaz de transportar até 14 ogivas atômicas.
Na quinta (27), foi a vez da China protestar contra o acordo, em termos semelhantes aos dos seus aliados russos agora. Numa demonstração de como a questão coreana se inseriu de vez no contexto da Guerra Fria 2.0 entre Washington e Pequim, que já abarca a Guerra da Ucrânia, foram os atores principais que fizeram as queixas até aqui.
Pyongyang se mantém em silêncio, seja algo coordenado com os aliados ou, como temem alguns observadores, porque pretende fazer um protesto mais chamativo com algum ensaio ousado de mísseis ou mesmo um teste nuclear --o país já explodiu seis artefatos, sempre com potência e sofisticação crescente, de 2006 a 2017.
Desde que a aproximação com os EUA fracassou após três encontros entre Kim e Donald Trump, em 2018 e 2019, o isolamento da Coreia do Norte preocupa aliados ocidentais. Após um período de relativa calma, ao lidar com a pandemia de Covid-19, o país iniciou uma campanha agressiva de testes de mísseis.
Neste mês, por exemplo, lançou pela primeira vez um míssil intercontinental, capaz de atingir os EUA, com combustível sólido --o que o faz mais rapidamente acionável, dado que não precisa ser abastecido. Kim também visitou um laboratório com novos tipos de alegadas bombas miniaturizadas, adequadas para serem instaladas em mísseis.
O Japão está particularmente incomodado, dado que os mísseis sobrevoam a ilha de Hokkaido, no norte do arquipélago. O país já mudou sua filosofia pacifista e entrou em modo militarista com novas prioridades e maior gasto com defesa, e agora aproxima-se mais da antiga rival Coreia do Sul para, em conjunto com os EUA, fazer frente às ameaças percebidas.
Esse sistema de alianças é evidenciado também pelo Quad, grupo que une EUA, Índia, Japão e Austrália, e pelo Aukus, pacto militar entre americanos, australianos e britânicos. Por sua vez, Pequim tem escalado a cooperação bélica com Moscou, e os países agem em conjunto em patrulhas aéreas e navais no Pacífico.
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