SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os Estados Unidos estão preocupados com a maneira como o Brasil tem lidado com os recentes conflitos entre Rússia e Ucrânia e EUA e China. Documentos da inteligência americana aos quais o jornal Washington Post teve acesso apontam sucessivos acenos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a rivais geopolíticos dos americanos.
Em um trecho, por exemplo, a inteligência americana cita o interesse de Lula em formar um "bloco de paz mundial" para mediar os interesses dos EUA e da China e intermediar o fim dos combates na Ucrânia.
Os documentos mencionam o apoio do Ministério das Relações Exteriores da Rússia ao plano. Segundo o arquivo, os russos consideram que a proposta neutralizaria a narrativa de "agressor-vítima" do Ocidente sobre a Ucrânia.
O aceno dos russos não é novidade. Em 18 de abril, um dia após o chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, visitar Lula em Brasília, o Kremlin disse que o plano do petista leva em conta os interesses da Rússia. "Qualquer ideia que leve em conta os interesses da Rússia merece atenção e certamente precisa ser ouvida", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
O incômodo dos americanos também não é novo: após a visita de Lavrov, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Jack Kirby, chamou a posição de Lula na guerra de "profundamente problemática" e afirmou que o presidente estava repetindo a propaganda russa.
O petista já disse que os EUA e a Otan estão prolongando o conflito na Ucrânia fornecendo armas a Kiev e chegou a sugerir que, em um acordo de paz, Kiev pudesse abrir mão da Crimeia, região controlada pelos russos desde 2014.
Mas os documentos aos quais o WP teve acesso vão além. O jornal americano cita que a iniciativa de Lula tomava forma ao mesmo tempo em que o Brasil recebia dois navios de guerra do Irã, principal rival geopolítico dos EUA no Oriente Médio ?as embarcações estavam listadas no programa de sanções dos americanos.
Os dois navios ficaram por uma semana no Rio de Janeiro, no início de março, apesar de críticas dos EUA e de Israel. Segundo os documentos, o Pentágono avaliou que Lula "provavelmente aprovou a escala para reforçar sua reputação como mediador global e polir a imagem do Brasil como uma potência neutra".
A análise americana, porém, pondera que o aval do petista não indica necessariamente uma grande expansão do relacionamento militar dos dois países, apesar de o Irã, segundo os EUA, esperar por isso. Ainda sobre o assunto, o documento relembra que os governos do Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela recusaram os pedidos do Irã para que as embarcações atracassem em seus países.
Antes da visita, diz um dos documentos, alguns oficiais da marinha brasileira tentaram convencer o governo Lula a negar o recebimento das embarcações. Eles temiam que Washington visse o aval como um realinhamento das parcerias externas do Brasil. Na época, Ricardo Zúniga, o principal formulador de políticas para o Brasil dentro da gestão de Joe Biden, disse à Folha que o Brasil receber navios iranianos era lamentável.
Os documentos revelam também o descontentamento de Washington com vários outros países emergentes, incluindo África do Sul, Argentina, Índia, Paquistão e Egito. O último, por exemplo, recebe mais de US$ 1 bilhão por ano dos EUA, mas recentemente aprofundou os laços com a Rússia, responsável pela construção da primeira usina nuclear da nação árabe.
Situação semelhante acontece no Paquistão, que desde os atentados de 11 de Setembro recebeu bilhões de dólares em ajuda econômica e de segurança dos EUA. O país, por outro lado, depende fortemente de investimentos chineses e, de acordo com um dos documentos vazados, a ministra das Relações Exteriores do Paquistão, argumentou em março que seu país "não pode mais tentar manter um meio-termo entre a China e os Estados Unidos".
Na África do Sul, aponta o documento, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ouviu de autoridades locais que o país africano não seria intimidado a tomar decisões que não lhe convêm. Pretória tem evitado criticar publicamente Moscou pela invasão da Ucrânia.
Por fim, os documentos expõem o desejo do presidente da Argentina, Alberto Fernández, de usar uma aliança renovada de nações latino-americanas, incluindo México e Brasil, para garantir mais poder nas negociações com os EUA, China e União Europeia.
Ao que tudo indica, a aliança em questão é a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), a qual o argentino preside. Em janeiro, em uma reunião de líderes das nações do grupo, Fernández defendeu a união dos países-membros: "Não queremos importar para a região rivalidades e problemas particulares. Ao contrário, queremos ser parte das soluções para os desafios que são de todos. Nada deve nos separar, já que tudo nos aproxima", afirmou.
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