ASSUNÇÃO, PARAGUAI (FOLHAPRESS) - Um dia após as eleições que consolidaram a hegemonia do partido Colorado e impuseram à oposição mais uma derrota, foi o terceiro colocado no pleito que virou foco de atenção no Paraguai. Autoridades reagiram ao recrudescimento de protestos de apoiadores de Paraguayo Cubas, candidato que é comparado a Jair Bolsonaro (PL) pelo extremismo nos discursos.
Ao longo desta terça-feira (2), a Polícia Nacional prendeu ao menos 74 pessoas, a Justiça Eleitoral fez uma denúncia coletiva contra os envolvidos por "atos contra o Estado" e a Promotoria formou uma equipe específica para apurar os fatos. Já o presidente eleito, Santiago Peña, anunciou sua equipe de transição.
Manifestantes começaram os protestos na frente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, em Assunção, na noite desta segunda (1º). Roncos de motor, fogos de artifício e buzinaços ecoaram a alguns metros do prédio oficial, e alguns grupos chegaram a bloquear ao menos 60 ruas e estradas até as primeiras horas da manhã. Eles alegam fraude nas eleições, sem provas, com base em vídeos e relatos em redes sociais, alguns deles compartilhados pelo próprio Cubas.
O ato do centro foi majoritariamente pacífico, mas terminou em briga com a polícia. Também foram registrados diversos episódios de violência e vandalismo em outros pontos da cidade; ao menos dois carros foram incendiados, e um posto de controle da Alfândega, saqueado.
Em Caaguazú, a 180 km da capital, uma ambulância com um bebê dentro foi interceptada, apedrejada e pichada, porque o grupo achava que ela transportava boletins de votação. Em Ypané (30 km de Assunção), ônibus foram vandalizados e tiveram que ser tirados de circulação.
Diante dos episódios, a Polícia Nacional prendeu dezenas de pessoas e atuou para desobstruir as vias --na manhã desta terça, a corporação informou que 95% delas haviam sido desocupadas. Apesar dos transtornos na locomoção, as aulas nas escolas foram mantidas.
Apesar da semelhança com os protestos no Brasil, como as cores da bandeira do país, as motocicletas e o discurso de fraude, poucos dos paraguaios presentes sabiam quem é Jair Bolsonaro. Alguns só ouviram de nome que ele é ex-presidente, mas não acompanham a política brasileira.
Outra diferença para os protestos golpistas em frente aos quartéis no Brasil é a distância dos policiais. Não havia sinais de envolvimento ou concordância dos agentes, que apenas observavam de longe. Também não havia resistência a profissionais da imprensa, que no Brasil não podiam se identificar ao público por riscos à sua segurança.
Enquanto isso, o presidente eleito, Santiago Peña, anunciou dois membros de sua equipe de transição, afirmou que os atos "não são nenhuma surpresa" e chamou Paraguayo Cubas de anarquista. "Pedimos ao governo atual que dê aos paraguaios a tranquilidade que todos necessitamos", afirmou.
Seu principal opositor, o advogado liberal Efraín Alegre, havia reconhecido sua derrota no mesmo dia das eleições, mas horas depois se somou ao coro dos que pediam auditoria dos votos.
Cubas ficou em terceiro lugar, mas surpreendeu ao conseguir uma votação expressiva tanto em sua candidatura à Presidência quanto no Legislativo. Seu partido Cruzada Nacional, que concorreu pela primeira vez, elegeu 5 dos 45 senadores e 5 dos 80 deputados.
A Justiça Eleitoral, por sua vez, convocou uma entrevista coletiva pela manhã para esclarecer informações falsas que impulsionaram os protestos. "Essa não é uma urna eletrônica, não guarda nenhum voto, não se pode modificar os votos porque não estão guardados ali. É igual buscar um voto numa bolsa vazia", disse o assessor técnico Carlos María Ljubetic.
É a primeira vez que o país utiliza essas máquinas nas eleições gerais --elas já haviam sido usadas nas primárias e em eleições municipais. Ao final da votação, o equipamento imprime um boletim de voto, que em seguida é repassado ao tribunal eleitoral.
O principal argumento nos protestos desta segunda era de que o número de votos impressos pelas máquinas divergia dos resultados informados pelo tribunal. Ljubetic, porém, desmentiu essa informação e disse que as fotos que circulavam nas redes sociais eram de duas eleições distintas, para presidente e para deputado.
Após a confusão, para acalmar os ânimos, a Justiça também decidiu transmitir ao vivo pela internet a checagem das atas. Mais tarde, informou que apresentou uma "denúncia penal" contra os envolvidos nos atos, pedindo ao Ministério Público que apure delitos como perturbação da paz. Incluiu na denúncia ainda os crimes de impedimento das eleições e coação dos órgãos constitucionais, alegando que houve obstrução das ruas no entorno do tribunal para dificultar a circulação de caminhões que transportavam as máquinas e as atas de votação.
Os manifestantes também afirmam que houve fraude pela suposta compra de votos e, principalmente, pelos chamados votos acompanhados: quando uma pessoa entra na urna com outra para supostamente ajudá-la (o que só é permitido em caso de eleitores com deficiência), mas induz o voto num determinado candidato.
As comissões de observação da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da União Europeia classificaram de "excessivo" esse tipo de voto, que é normalizado no país. A OEA, porém, concluiu que "não existe nenhuma razão que ponha em dúvida os resultados apresentados pela autoridade eleitoral", e a UE disse que "o processo eleitoral se deu de forma transparente e satisfatória".
"Se assegurou na maioria das mesas o segredo dos votos, as máquinas funcionaram, em geral, sem problemas, e nos casos onde houve problemas técnicos, foram substituídas de forma rápida", afirmou à imprensa Gabriel Matos, chefe da missão europeia, depois de destacar ainda o baixo número de mulheres candidatas.
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