LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Após ver o Parlamento confirmar pela quinta vez a descriminalização da eutanásia, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou a lei sobre tema na noite desta terça-feira (16).

O chefe de Estado português, originalmente de um partido de centro-direita e católico praticante, havia vetado o texto em outras ocasiões, alegando questões jurídicas ou pedindo mais esclarecimentos.

Antes de entrar em vigor, a regra sobre a eutanásia ainda precisa ser regulamentada. O governo tem oficialmente 90 dias, a partir da data da promulgação, para aprovar o conjunto de regras e os detalhes para sua aplicação -a legislação entra em vigor 30 dias após a publicação de sua regulamentação.

Como o Partido Socialista tem maioria absoluta na Casa, a tramitação não deve ser um entrave. Apesar do histórico de atrasos para regulamentação e da necessidade de nova promulgação presidencial, a expectativa é a de que a morte medicamente assistida seja efetivamente possível a partir do último trimestre deste ano. Políticos de oposição já anteciparam que pretendem contestar a lei na Justiça.

Em duas oportunidades, o presidente remeteu o texto aprovado pelos deputados para a corte máxima do país. Por questões bastante específicas, o Tribunal Constitucional considerou a lei inconstitucional, mas deixou a porta aberta para a aprovação da lei, desde que com modificações.

Na última vez em que vetou o texto, em 19 de abril, o presidente luso fez uso do chamado veto político. A proposta foi então devolvida ao Parlamento com pedidos de esclarecimentos adicionais. Os deputados optaram por não fazer alterações na lei e derrubaram o veto presidencial. Nesse caso, de acordo com a legislação portuguesa, o chefe de Estado tinha oito dias para promulgar o texto aprovado. No momento da assinatura da lei, Rebelo de Sousa fez questão de destacar essa obrigação legal.

"A Assembleia da República confirmou no passado dia 12 de maio, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, a nova versão do diploma sobre a morte medicamente assistida, pelo que o Presidente da República promulgou o decreto, tal como está obrigado nos termos do artigo 136.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa", afirma a breve nota disponibilizada pela Presidência.

A lei agora chancelada é a quarta versão da regra que despenaliza a eutanásia e o suicídio assistido no país. A primeira avaliação do texto ocorreu em fevereiro de 2020, por deputados da legislatura anterior.

Embora boa parte do texto tenha sido mantida, a versão que entrará em vigor tem uma diferença marcante em relação às anteriores. Antes, a lei previa autonomia para a escolha da técnica; agora, há prioridade para o suicídio assistido, método em que o próprio doente faz a administração dos fármacos letais.

A eutanásia, em que um profissional de saúde é responsável por realizar o procedimento, só será permitida nos casos em que as pessoas sejam fisicamente incapazes de administrarem os medicamentos. Embora os detalhes ainda tenham de ser definidos pela regulamentação, a lei portuguesa já impõe diversas restrições para ter direito à morte medicamente assistida.

A eutanásia e o suicídio assistido só poderão ser aplicados "em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável". É obrigatório ter mais de 18 anos e ser cidadão português ou residente legal no país. O processo é interrompido caso o paciente entre em coma e só pode ser retomado caso haja retorno do estado de consciência.

Há ainda uma série de outras exigências, como reiteração frequente da intenção de avançar com a morte medicamente assistida e acompanhamento psicológico durante todo o processo. Os pedidos terão de ser avaliados por ao menos dois médicos, sendo um especialista na doença que justifica a solicitação.

Em caso de decisão favorável, o pedido é encaminhado para uma comissão de verificação e bioética.

A lei estipula a criação da Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte, que inclui profissionais da área médica, jurídica e de bioética. Assim como ocorre com o aborto, legalizado no país desde 2007, os profissionais de saúde têm o direito de se declararem objetores de consciência e de não participar de procedimentos de eutanásia ou de suicídio assistido.

A Ordem dos Médicos, que regula o exercício da profissão, é contrária à descriminalização da morte assistida. A entidade, que já afirmou que a questão violaria a ética médica e o código deontológico da profissão, não pretende indicar um representante à comissão de verificação prevista na lei.

Pouco após a aprovação da lei, o papa Francisco, que viaja a Portugal em agosto para participar da Jornada Mundial da Juventude, criticou a decisão do Parlamento. "Hoje estou muito triste, porque no país onde apareceu nossa Senhora [de Fátima] foi promulgada uma lei para matar. Mais um passo na grande lista dos países que aprovaram a eutanásia", afirmou, em declaração publicada pela Agência Ecclesia.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!