MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - A banca de jornais localizada desde os anos 1950 no centro histórico de Arezzo, na região da Toscana, tinha tudo para ser só mais uma a encerrar as atividades, seguindo o desfecho de outras milhares na Itália. Mas um de seus antigos frequentadores, que se tornou um dos homens mais ricos do país, ficou sabendo dessa possibilidade e interveio. Patrizio Bertelli, presidente do grupo Prada, comprou a banca e prometeu mantê-la aberta.
O negócio foi fechado com a família do jornaleiro Piero Scartoni, 91, à frente do ponto por 70 anos. "Bertelli foi o açúcar que tornou menos amarga minha decisão de deixar a atividade. Conheço-o há muitos anos, foi um grande cliente de jornais e revistas de arquitetura, design e vela", disse Scartoni ao Corriere della Sera. Segundo o jornal, o valor da venda foi de EUR 100 mil (R$ 535 mil).
Nascido em Arezzo, Bertelli, 77, marido da estilista e empresária Miuccia Prada, 74, já havia salvado outros estabelecimentos na cidade. Antes da banca, tinham sido comprados um restaurante do anos 1920 e um café do século 19. Segundo a Forbes, ele é a sétima pessoa mais rica da Itália, com patrimônio de US$ 5,7 bilhões. Em Milão, onde o grupo Prada tem sede, uma das docerias mais tradicionais da cidade, a pasticceria Marchesi, com unidade na famosa galeria Vittorio Emanuele 2º, foi adquirida em 2014.
Segundo o jornaleiro de Arezzo, Bertelli está em busca de um inquilino para tocar a atividade, que começa às 5h. "Estou convencido de que ele não fechará minha querida banca. Não teria vendido se não fosse para ele. Vou me aposentar sereno agora."
Como tantas outras no país, além de vender jornais e revistas, a banca se tornou ponto de encontro e debate entre frequentadores. Não é raro entrar em uma na Itália e encontrar idosos discutindo política, a última rodada do campeonato de futebol ou alguma anedota entre celebridades. Segundo Scartoni, além de jornalistas, jogadores e treinadores de futebol ilustres, sua banca teve como cliente o poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini, que tinha um amigo na cidade.
No entanto, como sugere o perfil dos consumidores mais regulares de hoje, frequentar uma mesma banca é hábito das gerações mais velhas e que, acompanhando a tendência de queda da venda de periódicos de papel e de bancas em operação, diminui a cada ano.
No ano passado, segundo o sindicato dos jornaleiros, funcionavam 11,9 mil bancas na Itália, 3,3 mil a menos do que em 2018, apesar de subsídios oferecidos pelo governo desde 2019. A crise acompanha o declínio das vendas de jornais diários no país. Em 2022, foi comercializado, em média, 1,33 milhão de cópias de papel por dia, 36% a menos do que em 2018.
Como tentativa de manter as bancas em funcionamento, várias iniciativas foram lançadas nos últimos anos para diversificar a circulação de consumidores e a fonte de receita, além da venda de periódicos e pequenos brinquedos -não é comum na Itália que as bancas vendam maços de cigarros.
Em Milão, a prefeitura havia credenciado desde 2020, durante a pandemia, dezenas de bancas para a emissão de certificados de registros, como casamento e residência, que antes eram obtidos somente em agências do tipo cartório -o serviço foi suspenso pelo governo nacional em dezembro, alegando falhas em normas de proteção de dados.
Uma função que as bancas passaram a ter é a de ponto de retirada de compras feitas em sites como a Amazon. Outra rede milanesa investe, por sua vez, na transformação das bancas em pequenas lojas de comidas e bebidas, que dividem as prateleiras com jornais e revistas.
Mas muitos, como o jornaleiro de Arezzo, ainda sonham com o retorno dos anos dourados do papel. "Só o online não é o suficiente. Espero que as vendas voltem a aumentar, como nos anos 1980 e 90, quando se formavam filas na porta", diz.
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