TAIPÉ, TAIWAN, (FOLHAPRESS) - O líder chinês, Xi Jinping, recebeu nesta sexta (16) Bill Gates, cofundador da Microsoft, entre sorrisos mostrados pela televisão. "Você é o primeiro amigo americano que encontrei em Pequim neste ano", disse ele ao empresário. "A base das relações China-EUA reside nos laços interpessoais. Sempre depositamos esperança no povo americano, e espero que os povos de nossos dois países mantenham sua amizade."
As palavras eram endereçadas mais a Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, esperado para desembarcar no domingo (18) na China, após o país ceder à pressão americana pela retomada da visita do chefe da diplomacia no governo Biden. Programada para fevereiro, ela foi suspensa por Washington em meio à crise de um balão chinês, supostamente espião, localizado e derrubado sobre seu território.
Os dois governos deixaram claro que não esperam da conversa mais do que a própria retomada dos contatos. Notas divulgadas depois de uma conversa telefônica tensa entre Blinken e seu colega Qin Gang na quarta-feira evidenciaram as diferenças. "É mútua a falta de expectativa", avaliou Lu Xiang, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Sociais, destacado pela mídia estatal.
Na China, enfatizou-se que o telefonema e a visita se dão a pedido dos EUA, com acadêmicos comentando o que esperar dela. Wu Xinbo, diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan, observou que o afastamento desde fevereiro, mas também antes, serviu para Washington recuperar forças.
"O governo Joe Biden primeiro se concentrou em unificar aliados e assumir uma posição de Guerra Fria contra a China, mas agora os EUA mostraram sua vontade de viabilizar a visita para relançar os intercâmbios de alto nível na próxima fase", disse Wu, projetando novos encontros como efeito da visita.
Em entrevista coletiva inicialmente fechada, sobre a viagem, o coordenador da Casa Branca para a região, Kurt Campbell, falou na mesma linha. "No início deste governo [Biden, em 2021] a China estava convicta de que os EUA estavam em declínio terminal, em todo o mundo havia dúvidas sobre nosso poder", salientou. "Nós fortalecemos a capacidade da América de superar a China em competição, reconstruindo a economia de alto a baixo e -de forma crucial- aprofundando nossas relações com aliados."
Dizendo "buscar um estado estacionário" nas relações bilaterais, sem projetar nada "decisivo", Campbell concluiu como Wu quanto aos resultados da visita de Blinken: "Esperamos uma série de visitas em ambas as direções na próxima fase". Na avaliação provocativa expressa pela correspondente da agência de notícias Reuters, EUA e China vão "se reunir por se reunir", cobrando: "Tem dois anos desde a reunião no Alasca, que foi um derretimento, e cá estamos de novo ouvindo que não devemos esperar avanço".
Foi no Alasca que aconteceu o choque diplomático de março de 2021, quando Blinken ouviu da delegação chinesa que os EUA não estão mais qualificados a "falar de uma posição de força" com a China.
Saudada como histórica pelo Renmin Ribao (o Diário do Povo, do Partido Comunista), a expressão foi repisada nesta sexta pelo porta-voz Wang Wenbin, ao comentar a fala de Campbell: "Deixe-me enfatizar novamente que os EUA precisam desistir da ilusão de lidar com a China de uma posição de força".
Sobre os encontros de domingo e segunda em Pequim, ainda sem agenda fechada, a expectativa maior é se haverá uma reunião de Blinken, considerado linha-dura em relação à China, com Xi. Evitar o secretário de Estado, após receber Bill Gates, será uma atitude especialmente ostensiva por parte do líder chinês.
A China vem priorizando se reaproximar dos EUA não pela via política ou militar, mas econômica, com nomes como Jamie Dimon, do banco JP Morgan, e Elon Musk, da montadora Tesla, sendo recebidos por membros do gabinete. Segundo o jornal The Washington Post, Pequim chegou a expressar interesse em receber a secretária do Tesouro, Janet Yellen, antes de Blinken.
Yellen afirmou nesta semana, questionada em comissão do Congresso: "Nós ganhamos e a China ganha com comércio e investimento o mais aberto possível. Seria desastroso para nós tentar nos separar da China. Certamente não acho que seja do nosso interesse sufocar o progresso econômico do povo chinês".
Por outro lado, Xi vem alertando seu país para o que chamou há duas semanas de "os cenários mais extremos", dizendo não ter "ilusões" com os EUA. Falava então a dirigentes militares, cobrando preparativos de fronteira. Na última semana, usou a mesma imagem, "circunstâncias extremas", ao falar a dirigentes empresariais sobre prioridade ao mercado interno.
Com o anúncio de um novo exercício militar com a Rússia, essas operações estratégicas bilaterais passaram a ser apresentadas pela mídia estatal como "regulares" -e com as atenções chinesas de segurança não mais restritas a Taiwan ou ao Mar do Sul da China. Semanas atrás, Pequim fechou um acordo com Moscou para usar o porto de Vladivostok, no Mar do Japão.
Citada pela Casa Branca como um dos maiores reforços em sua rivalidade com a China, a decisão japonesa de dobrar os gastos com defesa e dar acesso às ilhas Ryukyu para os EUA provocou resposta direta de Xi. Na capa do Diário do Povo, na semana passada, ele lembrou a relação histórica da China com as ilhas, que abrangem Okinawa e vão até perto de Taiwan.
Ao mesmo tempo, políticas alternativas começam a ser levantadas no debate público chinês. Em fórum na Universidade Renmin, de Pequim, o pesquisador Liu Weidong defendeu reconsiderar os laços com a Rússia e "fazer amizade com mais países". Foi secundado por Zuo Xiying, professor na universidade, defendendo equilibrar as relações com Moscou para se contrapor à estratégia de Washington de unir aliados para conter Pequim. "A China não deve ficar ao lado nem da Rússia nem do Ocidente, mas numa posição que priorize seus interesses nacionais", disse Zuo.
Segundo pesquisa recém-divulgada pela Universidade Tsinghua, de Pequim, realizada seis meses atrás com 2.661 entrevistados da China continental, as duas maiores preocupações em segurança externa são "conflitos entre China e EUA" e "intervenção de forças internacionais em Taiwan".
Os países vistos mais negativamente foram EUA, com 59% de desfavorável/muito desfavorável, e Japão, com 58%. Mas haveria otimismo quanto ao rumo das relações entre Pequim e Washington: 45% afirmam acreditar que a situação vai melhorar, 30% não esperam mudança e 25% dizem que vai se deteriorar.
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