BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Protestos violentos tomaram a província de Jujuy, no norte da Argentina, e adicionam mais tensão às eleições nacionais no país. Uma reforma da Constituição local promovida às pressas pelo governador, de direita, leva há quase duas semanas movimentos sociais, comunidades indígenas e sindicatos às ruas.

O clima começou a esquentar no sábado (17), quando foram registrados diversos enfrentamentos com a polícia que terminaram com mais de 25 presos e alguns feridos na região fronteiriça com a Bolívia, incluindo um jovem de 17 anos que perdeu um olho após ser atingido por um projétil de borracha.

Os episódios levaram as manifestações a novas proporções nesta terça-feira (20). Enquanto os parlamentares aprovaram a reforma dentro da sede do Legislativa, um grupo incendiou carros, jogou pedras, invadiu e tentou colocar fogo em um dos escritórios na parte de trás do edifício, e a polícia reprimiu os atos do lado de fora do prédio, deixando ao menos um ferido grave que foi levado ao hospital.

Em meio à confusão, os dois campos políticos trocaram acusações, falando em "selvageria" de ambos os lados, numa semana particularmente importante para a Argentina. As coalizões precisam fechar até sábado (24) as listas com os nomes que concorrerão às primárias, em agosto, marcadas por incertezas.

"Responsabilizo o presidente Alberto Fernández e a vice-presidente Cristina Kirchner pela extrema violência que está ocorrendo na província de Jujuy. Os violentos não vão dar o braço a torcer", publicou o governador Gerardo Morales, pré-candidato à Presidência pela coalizão Juntos por el Cambio.

O presidente, por sua vez, da coalizão peronista União pela Pátria (antes Frente de Todos), respondeu: "Você é o único responsável por ter levado nossa amada província de Jujuy a esta situação extrema ao tentar impor uma reforma constitucional que não respeita a Constituição Nacional".

Sua vice se juntou ao coro: "Assuma o comando, governador Morales, e pare com a loucura repressiva que suas próprias ações desencadearam. O que está acontecendo na província de Jujuy é de sua absoluta responsabilidade e vocês sabem disso", escreveu Cristina no Twitter.

A reforma da Constituição de Jujuy que está no centro dos protestos foi aprovada em menos de um mês --no país, as províncias têm seus próprios textos, abaixo da Carta Magna nacional. Os membros constituintes foram eleitos em 7 de maio, mesma data em que o partido de Morales manteve o poder nas eleições provinciais, e tomaram posse em 23 de maio, presididos pelo próprio governador.

O grupo deu aval ao texto a portas fechadas, na madrugada de sábado, com 40 dos 48 votos necessários, gerando a escalada dos protestos que também fecharam diversas estradas. Os outros oito parlamentares, de esquerda, renunciaram às suas cadeiras em oposição ao projeto, incluindo a deputada Natalia Morales, que foi filmada sendo arrastada por policiais após se juntar aos manifestantes na rua.

O Foro de Periodismo Argentino (Fopea) denunciou a detenção de dois jornalistas enquanto cobriam as manifestações na cidade de Purmamarca naquele dia. "Entre empurrões e espancamentos de policiais, eles foram arrastados, colocados em uma van da polícia e levados ao presídio Alto Comedero, a 60 km do local", afirmou a organização, que afirma serem comuns abusos contra repórteres em Jujuy.

Dois artigos principais da nova Constituição geraram as tensões. O mais polêmico deles, intitulado "direito à paz social e à convivência democrática pacífica", proíbe "bloqueios de ruas e estradas, bem como qualquer outra perturbação do direito à livre circulação de pessoas" em manifestações.

O governador disse em entrevista coletiva na segunda (19) que o parágrafo foi mantido, apesar dos atos, e que "uma lei ordenará de alguma forma" o tema "sem restringir o direito de manifestação".

Morales, porém, recuou no outro artigo contestado, sobre o direito à propriedade privada, que afetaria em especial povos indígenas originários, parte importante da população local. Jujuy fica no "triângulo de lítio" e tem grande parte das reservas argentinas do mineral, cobiçado por EUA, China e Europa.

A reforma, agora retirada, previa a incorporação de "mecanismos e vias rápidas que protejam a propriedade privada e restabeleçam alterações na posse, uso e gozo dos bens a favor do seu titular" e dizia que qualquer ocupação não consentida seria uma "violação grave do direito de propriedade".


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