SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A primeira pesquisa de opinião independente feita após o motim encerrado no sábado na Rússia mostra que o movimento derrubou a popularidade do líder da ação, Ievguêni Prigojin, que era aliado próximo do presidente Valdimir Putin.

O Centro Levada, autor do levantamento, teve sorte. Ele havia programado uma pesquisa nacional, com 1.634 entrevistas pessoas, dos dias 22 a 28 de junho, para avaliar a aprovação de quatro figuras do regime de Putin: os ministros Serguei Choigu (Defesa) e Serguei Lavrov (Relações Exteriores), o líder tchetcheno Ramzan Kadirov e Prigojin.

A rebelião do Grupo Wagner, que lutou na Guerra da Ucrânia e opera em países como Síria e Líbia, começou na manhã do dia 23. Ele divulgou áudios criticando a condução do conflito, e no fim da noite avançou para tomar controle da importante Rostov-do-Don. No dia seguinte, uma coluna armada com tanques e blindados rumou a Moscou, mas um acordo que exilou Prigojin em Belarus e desmantelou o Wagner encerrou a crise.

Foi possível, então, acompanhar a curva da simpatia popular ao mercenário. Nos dias 22 e 23, ele registrava aprovação de 58% dos russo, com apenas 16% de desaprovação ?os restantes ou não sabiam responder, ou consideravam difícil avaliar.

No dia 24, o índice de aprovação caiu a 31% e, na média de 25 a 28, para 29%. Na média geral, ainda contaminada pela popularidade anterior ao motim, Prigojin teve suas ações aprovadas por 34%, ante 39% de reprovação, mas o que interessa aqui é a curva.

Choigu, seu maior rival, não tem índices muito brilhantes: 51% aprovam seu trabalho, enquanto o antigo aliado do mercenário Kadirov tem 71% e Lavrov, decano da diplomacia mundial no cargo desde 2004, tem 76%.

Na pesquisa mensal do Levada, Putin tem confortáveis 81% de aprovação. Já o apoio à guerra é visto em 2/3 dos ouvidos. O centro é isento: sofre pressões do Kremlin e foi tachado de agente estrangeiro, por receber financiamento externo. Sua margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

O Levada já havia perguntado no começo do ano se o russo votaria em Prigojin na eleição presidencial de 2024, com 19% admitindo o apoio. O índice caiu, mesmo com a média prejudicada, para 10%. Os ouvidos também aprovam o emprego de mercenários na Guerra da Ucrânia: 57% dizem ser aceitável, mantendo o padrão anterior.

Nesta quinta (29), a Duma (Parlamento russo) informou que as atividades do Wagner na Ucrânia estão proibidas, como seria previsível. Putin perdoou os amotinados e deu a eles opção de unir-se a Prigojin em Belarus ou a assinar contratos com o Ministério da Defesa ?a iniciativa de Choigu que levou à crise, após meses de tensão entre ambos.

Na prática, o Wagner está sendo partido. As armas pesadas usadas pelo grupo na tomada de Bakhmut (leste ucraniano), por exemplo, agora serão devolvidas ao Exército. O presidente russo prometeu investigar o destino dos quase R$ 10 bilhões que Moscou deu ao grupo, na forma de ajuda militar e contratos de alimentação que deram ao mercenário o apelido de "chef de Putin".

KREMLIN SILENCIA SOBRE GENERAL PRESO

Em Moscou, tensão e mistério rondam as notícias sobre um eventual expurgo de aliados de Prigojin. O fato mais vistoso foi a detenção do general Serguei Surovikin, que comandou as tropas na Ucrânia e é o chefe das Forças Aeroespaciais da Rússia.

A prisão foi confirmada a diversos órgãos de imprensa, inclusive à Folha, por pessoas ligadas ao aparato de segurança e ao governo. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse nesta quinta que não poderia fazer comentários sobre o caso, e que a Defesa era responsável pelo assunto ?o ministério não se pronunciou.

Já a filha de Surovikin concedeu entrevista a um site local dizendo que "estava tudo bem" com o pai, negando que ele estivesse preso, mas não comentando se ele havia sido detido para interrogatório. Segundo um relato feito à Folha, a única certeza é que ele foi levado pelo FSB (Serviço Federal de Segurança) para explicar sua relação com Prigojin.

O caso tem várias peças desencaixadas. É verdade que o general e o mercenário eram interlocutores próximos, mas as únicas forças que agiram contra a coluna armada de Prigojin eram da Força Aérea ?morreram ao menos oito militares no abate de um avião de comando e controle Il-22, e um mínimo de cinco helicópteros foram derrubados.

No ápice da crise, na manhã do sábado, Surovikin teve um vídeo divulgado no qual ele parecia muito desconfortável, mas pedia aos 25 mil homens que Prigojin diz comandar para baixar armas. Das duas, uma: ou ele de fato buscou enquadrar

Surovikin e Choigu também não se bicavam, mas as diferenças acerca da condução da invasão iniciada em 2022 do país vizinho eram vistas como naturais e resolvidas com o beneplácito de Putin, que costuma usar tais rusgas de sua corte como uma forma de asseverar o poder.

Isso leva à hipótese de que Choigu, e não Putin, pode ter iniciado um processo para enquadrar Surovikin. É o que sugere o cientista político moscovita Konstantin Frolov. Discorda da tese a analista Tatiana Stanovaia, do canal R.Politik: para ela, Putin não vai querer chacoalhar as elites que o apoiam com uma ameaça de expurgo.

O presidente, por sua vez, segue em sua campanha para demonstrar normalidade após a crise. Após encontrar-se com vários apoiadores no Daguestão (sul russo) na noite de quarta (28), nesta quinta Putin se fez filmar desenhando um prosaico rosto numa tela sensível ao toque num fórum de inovação em Moscou.


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