SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A um ano das eleições gerais no México, o pleito interno para decidir o candidato da coligação do partido Morena começa com ares de corrida presidencial. Isso porque o escolhido da sigla de Manuel López Obrador, esquerdista no poder desde 2018, tem grandes chances de ser o próximo presidente do país latino-americano.

AMLO, como também é chamado o líder mexicano, chega à metade do quinto dos seus seis anos na Presidência com 61,8% de aprovação, de acordo com pesquisa da consultoria Mitofsky para o jornal El Economista --três pontos percentuais a mais que o número registrado pela mesma empresa no final de maio.

O político mantém seu nível de popularidade a despeito de patinar em frentes caras ao seu eleitorado. Relatório do Inegi (Instituto Nacional de Estatística e Geografia) indicava que mais de 32 milhões de pessoas trabalhavam na informalidade em maio deste ano, por exemplo, o que representa 55,2% da população ocupada --um aumento em relação à cifra de 54,9% registrada no final de 2022 pelo mesmo órgão.

AMLO carrega o trunfo de ter sido o responsável por implementar iniciativas sociais populares em seu país, como uma reforma previdenciária que aumentou a aposentadoria dos idosos e um programa de ajuda financeira para mães solo. "É pouco dinheiro, mas é dinheiro que essas pessoas nunca tiveram", afirma o cientista político Carlos Gallegos Elías, da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México). "Isso vai se converter em um direito consagrado."

Segundo o pesquisador, nos próximos meses, os eleitores mexicanos provavelmente verão os correligionários do presidente insistindo na manutenção desse conjunto de mudanças que compõe a chamada quarta transformação mexicana --as três primeiras teriam sido a independência, a reforma e a revolução.

A julgar pelo lançamento da campanha dos candidatos alinhados a AMLO, o slogan do atual governo continuará sendo central na política do país. Marcelo Ebrard, que deixou o cargo de chanceler de Obrador para disputar as primárias do Morena, arrancou na disputa há quase duas semanas propondo a criação de uma Secretaria da Quarta Transformação --chegou até a chamar o filho do presidente, Andrés Manuel López Beltrán, para comandar a eventual pasta, mas este negou a proposta para evitar ruídos entre os colegas, que segundo ele "também trabalham para liderar a defesa da quarta transformação do país".

O diplomata, dono de extenso currículo na academia e no Estado, tenta se colocar como o sucessor natural do atual presidente. Trata-se da mesma estratégia que usou em 2006, quando foi eleito chefe de governo da Cidade do México após mandato de AMLO no cargo. Na gestão de Ebrard, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado e a interrupção da gravidez, descriminalizada.

O político, aliás, foi o primeiro a deixar seu cargo no governo para disputar as eleições internas da coligação, antes mesmo de os partidos decidirem que seria obrigatório renunciar a funções públicas para concorrer nas prévias. Segundo especialistas, Ebrard buscava com isso aumentar a sua popularidade no início da corrida --em pesquisas sobre o tema, o político largou atrás de Claudia Sheinbaum, que deixou a chefia do governo da Cidade do México para disputar a Presidência.

"Vamos com a convicção da defesa da quarta transformação", afirmou em suas redes sociais a política que tenta ser a primeira mulher presidente do México após inaugurar a liderança feminina na capital. Sua principal arma é a proximidade que tem com o atual presidente --ela foi secretária de Meio Ambiente da Cidade do México na gestão de AMLO, no início dos anos 2000.

Ao contrário de Ebrard, que faz eventos pequenos e prioriza veículos jornalísticos para fazer pronunciamentos, Sheinbaum mimetiza as campanhas eleitorais de Obrador, que em 2018 conseguiu o maior número de votos da história recente do México ao custo de muitas selfies e enormes comícios públicos.

"Da parte de Sheinbaum, há uma lealdade muito intensa ao projeto de López Obrador, inclusive em relação à retórica. São as mesmas mensagens de AMLO, as mesmas palavras, os mesmos conceitos políticos", afirma Rodrigo Castro Cornejo, pesquisador visitante de ciência política na Universidade de Massachusetts. "Definitivamente há uma preferência por parte do presidente." Obrador afirmou, porém, que não tentaria influenciar a competição.

Ainda que tenha crescido nas pesquisas, Ebrard ainda está mais de dez pontos percentuais de Sheinbaum. Neste sábado (1º), ela era a preferência de 32,9% da população, enquanto ele era o de 22,3%, segundo o levantamento da Mitofsky. Eles são seguidos por Adán Augusto López, com 17,6% do favoritismo, e pelo candidato do Partido do Trabalho Gerardo Fernández Noroña, com 7,4%. Os dois últimos na corrida são o morenista Ricardo Monreal, que marcou 5,4%, e Manuel Velasco, do Partido Verde Ecologista, com 2,8%.

Eles têm dois meses para se apresentar oficialmente ao cargo antes da realização das pesquisas de opinião que definirão o candidato da coligação --a expectativa é que o resultado seja divulgado no início de setembro.

O Morena se esforça para manter todos os quadros no partido. Para Rodrigo Galván, diretor geral da consultoria De las Heras, isso acontece porque uma eventual dissidência entre antigos aliados de Obrador enfraqueceria a retórica maniqueísta que ele emprega. "AMLO e seu partido se dedicam a polarizar esse país todos os dias", afirma.

A corrida já se converteu, porém, em uma espécie de briga fratricida, com quase todos os candidatos se acusando mutuamente de vazar gravações, perseguições e ataques. Segundo Gallegos Elías, cientista político da Unam, a saída de um dos candidatos da corrida não está entre as preocupações do presidente.

"A sucessão presidencial vai ser decidida dentro do Morena", ele resume. "Os candidatos sabem que, fora, não têm nenhuma possibilidade. Não é que López Obrador tenha o partido; o partido tem López Obrador."


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