SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Diante de uma crise potencial entre seu principal membro, os Estados Unidos, e a mais rica nação europeia do clube, a Alemanha, às vésperas de uma vital reunião de cúpula, a Otan lavou as mãos acerca do fornecimento das polêmicas bombas de fragmentação para a Ucrânia.
"A Otan não tem uma posição sobre elas. Isso cabe aos governos decidir, não à Otan. Nós estamos ante uma guerra brutal, em que munições cluster [como as bombas são conhecidas em inglês] são usadas por ambos os lados", afirmou nesta sexta (7) o secretário-geral da aliança militar ocidental, o norueguês Jens Stoltenberg.
A Casa Branca disse que está analisando um pedido de Kiev para receber as bombas, mas nesta sexta os ministros alemães Boris Pistorious (Defesa) e Annalena Baerbock (Relações Exteriores) disseram que seu país não apoia a ideia, até por ser signatário da convenção que proíbe tal armamento.
A questão é que bombas de fragmentação carregam dezenas ou centenas de explosivos menores, que são dispersados por grandes áreas quando ela é acionada. São particularmente eficazes contra concentrações de tropa, objeto do pedido de Kiev, que não tem armas de precisão suficientes para sua contraofensiva que se arrasta desde 4 de junho.
O problema é que, além de serem armas antipessoais brutais, muitas das bombas menores não explodem, ficando no ambiente como minas terrestres a céu aberto, matando e ferindo pessoas ?particularmente crianças, que não discernem o perigo do que manipulam. Por isso, desde 2010 há a convenção proibindo fabricação e emprego do armamento, adotada por 111 nações.
Dos 31 países da Otan, 25 são signatários, como a Alemanha. Mas EUA, Ucrânia e Rússia não fazem parte do time, o que os exime de quaisquer punições internacionais. Como disse Stoltenberg, nesta guerra ambos os rivais usaram as bombas, mas ele enfatizou que Kiev o fez "de forma defensiva". Nota à parte, o Brasil também não apoia a convenção, e é exportador do armamento.
Direito humanitário à parte, o norueguês tirou da sala mais um bode potencial para a reunião de cúpula da aliança que ele acaba de ser reconduzido para liderar por mais um ano, que ocorrerá em Vilnius (Lituânia) na terça (11) e quarta (12).
Em entrevista nesta sexta, Stoltenberg tentou deixar encaminhada outra polêmica, o pedido da Ucrânia para "medidas concretas" acerca de sua entrada na aliança, como disse o presidente Volodimir Zelenski na véspera.
Enquanto Zelenski diz compreender que é impossível a Otan receber um país em guerra, pois isso vai contra sua carta de fundação, ele busca estabelecer garantias de segurança para etapas posteriores ao conflito ?sem, claro, admitir que pode perder qualquer território para a Rússia, que ocupa cerca de 20% de seu país, invadido em fevereiro de 2022.
"Por 500 dias, Moscou trouxe morte e destruição para o coração da Europa. Nossa cúpula vai mandar uma mensagem clara: a Otan permanece unida, e a agressão russa não irá ser bem-sucedida", afirmou.
Na prática, o que ele tem a oferecer é o estabelecimento do chamado Fórum Otan-Ucrânia, um instrumento de consultas que já está funcionando desde que o Ocidente assumiu a tarefa de armar, rearmar e treinar Kiev para conter os russos.
A Rússia diz, com razão, que assim a Otan luta por procuração contra o Kremlin. Por outro lado, a dissimulação retórica está na base da invasão russa, chamada de "operação militar especial" para evitar implicações legais de uma declaração de guerra.
A falta de envolvimento direto de forças da Otan e de ataques russos além da fronteira ucraniana tem um motivo claro, que é o de evitar a Terceira Guerra Mundial. Tal sombra persiste sobre todos os movimentos e escaladas do conflito, contudo. Isso explica o ritmo lento, crescente, da ajuda militar ocidental.
Pouco a pouco foram caindo tabus: primeiro, vieram artilharia de precisão e blindados, depois tanques e baterias antiaéreas, depois caças soviéticos usados e, agora, discute-se fornecimento de aviões ocidentais a Kiev. Mas ainda assim há o temor, entre membros da Otan, de que trazer a Ucrânia mais para perto possa mudar a natureza da guerra.
Isso pode não acontecer, apesar de o "casus belli" central de Vladimir Putin era o de impedir a adesão de Kiev à Otan. Ele já guerreara na Geórgia em 2008 com esse objetivo e, desde 2014, desestabilizava uma Ucrânia hostil ao Kremlin com a anexação da Crimeia e a guerra civil no leste russófono do país.
Até aqui, contudo, só viu a Otan se reforçar, apesar das divisões pontuais. A Finlândia abandonou sete décadas de neutralidade e entrou no bloco neste ano, e a Suécia espera que nesta cúpula seja resolvido o impasse colocado pelo veto de Turquia e Hungria à sua adesão.
Ali, o que vale é política: os suecos sinalizaram mais dureza com a oposição curda exilada no país ao condenar um ativista nesta semana, justamente o que o presidente Recep Tayyip Erdogan espera. Os húngaros jogam no ritmo de Ancara neste jogo.
Tudo indica que as divergências serão resolvidas, especialmente se os EUA aceitarem vender mais material militar para os turcos.
Erdogan, aliás, irá receber ainda nesta sexta Zelenski, que passou pela Bulgária, Eslováquia e República Tcheca desde quinta (6), visando aumentar o apoio à sua demanda por mais material bélico para a contraofensiva que ele mesmo diz estar abaixo do ritmo esperado.
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