SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O cidadão americano capturado pela Coreia do Norte após cruzar a fronteira sem autorização ficou quase dois meses detido na Coreia do Sul, mostram documentos divulgados nesta quarta (19). Ele enfrentou acusações de agressão e foi multado por danificar um carro da polícia.

As motivações do soldado Travis King para entrar em território norte-coreano seguem desconhecidas. Ele era escoltado de volta aos EUA justamente por questões disciplinares e estava no aeroporto quando conseguiu retornar à zona desmilitarizada e atravessar a fronteira.

King já havia sido fichado pelas autoridades sul-coreanas e chegou a se declarar culpado de agressão e de destruição de bens públicos, em crimes que ocorreram no ano passado. De acordo com a agência AFP, ele foi liberado de uma prisão na Coreia do Sul no último dia 10.

Em fevereiro, um tribunal de Seul ainda determinou que o americano pagasse multa no valor de 5 milhões de wons (R$ 19,2 mil) pelos crimes. Segundo a corte, King deu vários socos no rosto de um homem durante uma festa numa boate em setembro passado. Duas semanas depois, os policiais tentaram interrogá-lo, mas o homem voltou a manifestar comportamentos agressivos.

King não respondeu às perguntas dos agentes, que o levaram à força para o banco de trás de uma viatura. O americano, então, teria reagido com palavrões e insultos contra a população, o Exército e a polícia locais. Durante o ataque de fúria, chutou a porta do veículo várias vezes, causando danos avaliados em 584 mil wons (R$ 2.000).

Um dos advogados que representou King na ocasião disse à Reuters que o americano passou "algum tempo numa detenção militar" dos EUA na cidade sul-coreana de Pyeongtaek. Ele, que não quis ser identificado, disse desconhecer a detenção ocorrida neste ano.

A mãe de King, Claudine Gates, por sua vez, afirmou à emissora ABC News ter ficado chocada com a notícia de que seu filho havia sido detido após cruzar a fronteira. "Não consigo imaginar Travis fazendo algo assim." Até o momento, a mídia estatal da Coreia do Norte não fez qualquer menção ao incidente.

Uma testemunha do momento em que King atravessou para o lado norte-coreano disse que o militar estava em um grupo que havia visitado um dos prédios da zona desmilitarizada quando ele "soltou uma gargalhada e passou a correr entre os edifícios".

Ainda de acordo com a testemunha, o grupo pensou, a princípio, tratar-se de uma piada de mau gosto, mas, ao perceber que o soldado não retornava, teria ficado claro que aquilo não era uma brincadeira.

Outra testemunha disse que guardas americanos e sul-coreanos gritaram "peguem-no" enquanto tentavam, sem sucesso, impedir o militar de correr para o lado norte-coreano. "Era tarde demais", disse a neozelandesa Sarah Leslie. "Não achava que alguém fosse entrar na Coreia do Norte, então presumi que era algum truque." Após o incidente, os guardas conduziram o grupo de cerca de 40 turistas para um ônibus, que deixou a DMZ, como a área desmilitarizada é conhecida.

O Comando da ONU, que supervisiona a segurança da área de fronteira, reiterou nesta quarta que mantém negociações com autoridades norte-coreanas para a liberação do soldado. Isaac Taylor, porta-voz das Forças Armadas americanas, disse que os militares dos EUA também participam das conversas. "Nos comunicamos com os norte-coreanos todos os dias. Tudo faz parte do acordo de armistício."

Não há, porém, atualizações sobre o estado de King, de acordo com o porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller. Segundo o funcionário, o Pentágono fez contato com militares norte-coreanos para descobrir informações novas sobre o americano, mas não recebeu resposta. Washington não mantém relações diplomáticas com Pyongyang, mas dispõe de outros canais para se comunicar.

"Quero deixar muito claro que a administração trabalhou e continuará trabalhando ativamente para garantir sua segurança e devolvê-lo para casa com sua família", afirmou Miller nesta quarta-feira.

Esta não é a primeira vez que um americano é detido por Pyongyang. Em 2018, Bruce Byron Lowrance passou um mês no país, vindo da China. Antes, em 2016, o estudante Otto F. Warmbier foi condenado a 15 anos de prisão, acusado de tentar roubar um pôster publicitário de seu quarto de hotel.

Ele cumpriu 15 meses da pena antes de entrar em coma e ser enviado para o seu estado natal, Ohio, em 2017. Warmbier morreu no hospital uma semana depois, e, após o episódio, o governo dos EUA proibiu seus cidadãos de viajarem para a Coreia do Norte, "devido ao grave e contínuo risco de prisão".

O imbróglio atual ocorre num momento de agravamento das tensões na península coreana. Nesta terça-feira, um submarino americano de capacidade nuclear atracou em Busan, no Sul. Em resposta, o regime da Coreia do Norte disparou dois mísseis balísticos nesta quarta ?os artefatos caíram no mar.

"Vamos tornar impossível para a Coreia do Norte pensar em uma provocação nuclear e advertimos claramente que, se isso acontecer, levará ao fim de seu regime", disse o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, que entrou no submarino dos EUA e destacou a importância estratégica da aliança entre os países.


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