SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse nesta sexta (21) que a Polônia pretende intervir na Guerra da Ucrânia com o envio de tropas para o oeste do país vizinho com o apoio de outras nações do Ocidente.
Ele amparou sua acusação sem provas em um relato feito pelo chefe do poderoso Serviço de Inteligência Estrangeiro, Serguei Narischkin, durante reunião do Conselho de Segurança da Rússia em que foi discutida a contraofensiva claudicante de Kiev, que enfrenta renovada ação russa no nordeste ucraniano.
"O Ocidente começou a entender que a derrota da Ucrânia é questão de tempo. Nesse sentido, a liderança polonesa intensifica a intenção de controlar os territórios ocidentais da Ucrânia, destacando suas tropas para lá", disse Narichkin. Putin completou: "Eles [os líderes poloneses] provavelmente esperam formar um tipo de coalizão sob o guarda-chuva da Otan e intervir no conflito da Ucrânia, para cortar um pedaço mais gordo para eles, ganhar de volta, como acreditam, seus territórios históricos, a atual Ucrânia ocidental."
Historicamente, o oeste ucraniano é próximo da Polônia. O país fica mais russófono à medida que se avança ao leste, como nas regiões do Donbass e na Crimeia.
Numa fala recheada de ameaças ao membro da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, Putin afirmou também que irá defender a aliada Belarus em caso de ataque estrangeiro. "Uma agressão a Belarus será uma agressão à Rússia", afirmou o chefe do Kremlin, prometendo "usar todos os meios disponíveis".
Aqui, o contexto é o do envio de reforço de soldados poloneses à fronteira com a Belarus, uma reação aos primeiros exercícios do exército da ditadura local com mercenários do Grupo Wagner, que deixou a Rússia após o nebuloso motim do final de junho. Os países já se estranharam antes por questões fronteiriças.
Desde que foi enfraquecido por protestos contra mais uma fraude eleitoral em 2020, o ditador Aleksandr Lukachenko caiu na órbita política do Kremlin de vez, após anos de jogo duplo com Moscou e o Ocidente.
Moscou e Minsk já faziam parte de uma aliança chamada Estado da União, mas padronizaram procedimentos militares e criaram unidades conjuntas. Belarus não é partícipe da guerra, mas permite o uso de seu território contra Kiev pelos russos. Cereja do bolo, Putin anunciou ter instalado ogivas nucleares táticas, para uso militar mais restrito, no vizinho, o que levou a Polônia a pedir o mesmo dos EUA.
Putin fez um típico resgate tortuoso da história em sua fala, dizendo que "iria lembrar" os poloneses de que "a porção ocidental do seu país foi um presente de [Josef] Stálin", em uma referência ao desenho do país após a Segunda Guerra Mundial, quando recuperou territórios ocupados pela Alemanha nazista e tornou-se um satélite comunista de Moscou.
O russo esqueceu, contudo, que a mesma Polônia havia sido partida ao meio por Stálin e o ditador nazista Adolf Hitler em um acordo secreto antes da guerra, em 1939. Quando os alemães marcharam rumo a Varsóvia, os soviéticos fizeram o mesmo do seu lado da fronteira. O eco histórico reverberou também quando a Alemanha comentou o caso. O ministro da Defesa, Boris Pistorius, disse em Berlim que seu país está pronto para ajudar a defender o "flanco oriental" da Polônia.
Não há nenhuma evidência das suposições de Putin, mas o tema não é novo. No começo de junho, o ex-secretário-geral da Otan Anders Rasmussen afirmou que o envio individual de tropas polonesas e bálticas era uma possibilidade real, já que a aliança não se comprometeria para evitar a Terceira Guerra Mundial. Como fazer isso sem avocar o artigo de defesa mútua do clube, contudo, é insondável. Rasmussen é conselheiro do governo em Kiev hoje.
A tensão com a Polônia, país que neste ano deve liderar o gasto militar dentro da Otan com a aplicação de 4% de seu Produto Interno Bruto com defesa, é mais um elemento de uma semana particularmente tensa no escopo da guerra.
Na segunda (17), mesmo dia em que viu atacada por Kiev sua ponte ligando a Rússia à Crimeia anexada, Putin determinou a suspensão da participação russa no acordo que permitia à Ucrânia escoar sua produção vital de grãos pelo mar Negro.
O russo se queixa de não ter tido a contrapartida combinada, em um acerto mediado por Turquia e pela ONU, cumprida. Ele quer a retomada sem impedimentos por sanções, que afastam por exemplo as seguradoras ocidentais de navios com produtos russos, do seu fluxo de venda de grãos e fertilizantes.
Ato contínuo, o russo iniciou uma campanha de bombardeamento de posições portuárias da Ucrânia, incluindo silos de grãos, na região de Odessa (sudoeste do país invadido, sob controle de Kiev). Nesta sexta, houve novos ataques com mísseis e drones, mas em menor intensidade do que na véspera.
Além disso, Moscou e, depois, Kiev afirmaram que qualquer navio no mar Negro em direção a portos do adversário consiste em um alvo militar legítimo. Isso levou a protestos pelo mundo, a começar pela Casa Branca, de que a guerra agora iria chegar a embarcações civis inocentes.
Mas uma voz inusitada se levantou em favor de Putin nesta sexta. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou a repórteres que "nós estamos cientes de que o presidente Putin tem certas expectativas dos países ocidentais, e é crucial que esse países ajam nesse sentido".
Ele afirmou acreditar que o colega russo, com quem mantém uma relação próxima apesar de ser um membro da Otan e ter tomado medidas em favor de Kiev na guerra, poderá retomar o acordo dos grãos se mantiver as conversas planejadas com ele.
"O fim do acordo de grãos do mar Negro terá uma série de consequências, do aumento global do preço de alimentos à escassez em algumas regiões, potencialmente levando a novas ondas de migração [rumo à Europa]", afirmou em um avião voltando de uma viagem ao Golfo Pérsico e ao norte de Chipre.
Erdogan também insinuou que a Suécia precisa cumprir promessas, como a extradição de ativistas contrários a seu governo a quem ele chama de terroristas, para que o Parlamento da Turquia aprove seu pedido de entrada na Otan. Na cúpula da entidade, há duas semanas, ele havia prometido que iria promover a questão, o que foi vendido como uma grande vitória da aliança.
Contas foram colocadas na mesa, como o fornecimento de caças americanos F-16 que estava travado por Washington, mas a questão política com Estocolmo segue complexa. Ancara emitiu um mandado de prisão contra o ativista que queimou um Alcorão em frente à sua embaixada no país nórdico, ato que disparou uma crise generalizada no mundo muçulmano, inclusive com a invasão da representação sueca em Bagdá.
O Parlamento turco só volta de recesso em outubro, dando tempo para Erdogan afiar sua lista de demandas. Caso aprove a Suécia, o outro país da Otan que ainda não o fez, a Hungria, já disse que seguirá o exemplo turco.
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