TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) - Chris Miller, 37, não escondeu seu fascínio ao iniciar uma conversa em março com Morris Chang (ou Zhang Zhongmou), que acaba de completar 93 anos, no lançamento de "A Guerra dos Chips" em Taipé.

O fascínio não diminuiu nem quando o fundador do gigante TSMC, nascido na China continental e formado nos Estados Unidos, saiu falando: "Concordo completamente com este livro, mas poderia haver algumas correções". Estendeu-se sobre o papel de Li Guoding, político que bancou o apoio estatal à TSMC.

Conversaram por meia hora, até Chang terminar com um elogio ao livro, por mostrar a ubiquidade dos chips hoje, mas acrescentando que, "após Miller escrever, o jogo todo mudou de novo". A obra saiu nos EUA em 4 de outubro de 2022 e, três dias depois, Joe Biden impôs controles na exportação para a China.

Era o conflito aberto que Miller havia delineado. O livro, uma história dos chips, saiu em maio no Brasil (Globo Livros, 480 págs.). A conversa com a reportagem coincidiu com a resposta da China, oito meses após a "surpresa de outubro", impondo controle na exportação de minérios essenciais para produzir chips. Miller diz que a escalada não vai parar e arrisca um conflito militar entre EUA e China para 2027.

PERGUNTA - O sr. poderia descrever como sua perspectiva sobre Chang mudou enquanto trabalhava no livro e recentemente, nesse diálogo público em Taipé?

CHRIS MILLER - Chang é um dos empresários mais subestimados do século passado. Cada leitor do seu jornal depende todos os dias dos chips que a empresa dele produz. Ele é o fabricante mais importante do nosso tempo. No entanto, como os chips feitos pela TSMC estão enterrados profundamente em nossos celulares, carros e computadores, quase ninguém fora de Taiwan ouviu falar dele.

O sr. começou a escrever seu livro após constatar que a China gastava mais com chips do que com petróleo. Ainda é assim?

C. M. - A China segue gastando mais dinheiro importando chips do que com qualquer outro produto manufaturado. Isso porque existem muitos tipos cruciais de chips, para smartphones, inteligência artificial e outros, que a China simplesmente não pode produzir em casa.

A China está mais perto de um salto que a aproximaria de Taiwan? Talvez até 2025, como Pequim projeta?

C. M. - A China segue fazendo progressos em sua indústria de chips, mas a vanguarda do setor continua avançando, então ela permanece significativamente atrás. Em certos segmentos, como chips de memória Nand, as empresas chinesas estão próximas da vanguarda. Mas em outros, como ferramentas para fabricação de chips, estão anos atrasadas. Em suma, a China ainda tem um longo caminho a percorrer antes de produzir chips de ponta de forma autossuficiente.

A China anunciou controles de exportação de minérios, em escalada da guerra dos chips. Em que estágio do conflito estamos agora?

C. M. - Devemos esperar uma escalada contínua. É provável que os Estados Unidos implementem controles de exportação intensificados sobre a transferência de chips de IA para a China. A China responderá com mais limites às exportações de matérias-primas, bem como intensificando o protecionismo para bloquear a entrada dos chips ocidentais de baixo custo no mercado chinês.

Quais seriam as linhas vermelhas que desencadeariam um conflito econômico generalizado?

C. M. - Os EUA não têm interesse num conflito econômico. Seus líderes disseram estar focados principalmente em controlar as tecnologias mais avançadas com aplicação militar. As empresas americanas ainda negociam extensivamente com a China. Na verdade, é a China que começou a dissociação. A estratégia industrial de Xi Jinping, Made in China 2025, tem como objetivo reduzir a importação chinesa de produtos manufaturados estrangeiros. A China está tentando construir uma indústria autossuficiente, e isso acontece há anos, antes de qualquer controle tecnológico dos EUA ser imposto.

Há chance de trégua, após a visita da secretária Janet Yellen à China? Ela é contra a dissociação.

C. M. - Expressões como dissociação ou eliminação de risco [de-risking] são vagas demais para nos dizer no que os líderes políticos acreditam. EUA, Europa e Japão estão basicamente unidos em torno de uma estratégia de tentar continuar a maior parte do comércio com a China, limitando o acesso dela à tecnologia de ponta e tentando diversificar sua dependência da China em esferas em que ela é o único grande produtor mundial. Pequim está, claro, insatisfeita com essa estratégia, que visa a limitar seu progresso tecnológico.

Eu ignoraria o que líderes chineses e americanos falam e me concentraria no que fazem. Os americanos dizem ser contra a dissociação, mas é certo que estão tentando dissociar a China da tecnologia de ponta na fabricação de chips. Os chineses dizem que são contra a dissociação, mas tentam se desacoplar da dependência de tecnologia importada, construindo uma cadeia de suprimentos autossuficiente. Assim, cada jogador busca uma estratégia de dissociação diferente, que atenda aos seus próprios interesses.

A sombra de uma guerra por Taiwan ficará maior? O senhor pode fazer um prognóstico sobre isso, talvez 2027, como sugeriu um militar americano?

C. M. - A CIA disse acreditar que Xi falou aos militares chineses para estarem prontos para a guerra em 2027. Isso é diferente de dizer que haverá uma guerra em 2027, mas certamente poderia haver. A principal razão pela qual a China não invadiu Taiwan desde que os comunistas assumiram o poder, em 1949, é que os militares dos EUA têm defendido Taiwan, inclusive ameaçando o uso nuclear. Mas as capacidades militares da China cresceram dramaticamente nos últimos anos, e os EUA são menos capazes de defender Taiwan hoje. Os líderes chineses sabem disso. Essa fraqueza cria o risco de que possam atacar.

Sobre os EUA serem menos capazes hoje, militarmente, isso nos aproxima da ameaça do uso nuclear?

C. M. - A China vem expandindo rapidamente seu arsenal nuclear por esse motivo. A lição que Pequim aprendeu com a guerra Rússia-Ucrânia é que ameaças nucleares funcionam. A ajuda do Ocidente à Ucrânia foi limitada pelo medo de que a Rússia pudesse escalar para o uso nuclear. A China quer a capacidade de fazer ameaças comparáveis, por isso está construindo rapidamente seu arsenal nuclear.

O sr. vê alguma chance de as fábricas da TSMC serem explodidas, como mencionado em uma publicação militar e recentemente por políticos americanos?

C. M. - Em qualquer cenário de guerra ou bloqueio, a indústria de chips de Taiwan seria encerrada imediatamente. Ela requer enormes quantidades de eletricidade, em grande parte importada por meio de embarques de gás natural liquefeito que seriam obstruídos. Também exige importações regulares de produtos químicos e matérias-primas do Japão e de outros países, que seriam cortadas. Portanto, não importaria se as fábricas fossem explodidas, porque elas não funcionariam de qualquer maneira.

Raio-X | Chris Miller, 37

Professor na Universidade Tufts, em Massachusetts, nos EUA, é especializado em história da Rússia e, mais recentemente, da China. Antes de "A Guerra dos Chips - A Batalha pela Tecnologia que Move o Mundo", publicou três livros sobre a economia russo-soviética. Em "The Struggle to Save the Soviet Economy", de 2016, aborda por que a União Soviética fracassou, em comparação com a China. Como pesquisador, é vinculado também ao conservador American Enterprise Institute, de Washington.


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