BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Está na boca do povo, mas nem tanto na boca dos que querem governá-lo. A inflação que corrói diariamente o salário dos argentinos e aumenta as filas da pobreza é um tema do qual os principais candidatos à Presidência do país têm procurado se esquivar a dez dias das eleições primárias.

Discussões mais profundas sobre o problema, que exigiria medidas impopulares, têm ficado para depois na agenda dos postulantes. Em vez disso, eles têm escolhido priorizar pautas possivelmente mais frutíferas em termos de votos, como segurança pública e geração de empregos.

Nas ruas, porém, o aumento dos preços é o primeiro motivo de angústia a ser citado por eleitores de qualquer preferência política ou região, indicam diferentes pesquisas. Levantamento de julho da Universidade de San Andrés aponta que 55% dos argentinos afirmam que a inflação é o maior obstáculo atual da Argentina. A insegurança vem em segundo lugar, sendo mencionada por 38% da população.

"Antes dava para fazer um assado [churrasco] nos finais de semana, agora o dinheiro não é o suficiente", reclama o zelador Miguel García, 56, na porta do prédio de um bairro abastado de Buenos Aires. E o que os candidatos pretendem fazer sobre isso? Ele dá de ombros: "Não sei, eles só prometem e nunca cumprem".

Do lado do peronismo, Sergio Massa tem evitado ao máximo o tema, já que é ministro da Economia há mais de um ano e até aqui não conseguiu frear a desvalorização do peso. Na oposição à direita, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, e a ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich -que disputam uma vaga no primeiro turno- repetem o mantra de baixar gastos, mas não detalham como.

"Nenhuma das duas maiores coalizões tem condições de tratar do tema como vantagem, porque ambas duplicaram a inflação em seus governos", diz Artemio López, diretor da consultora Equis, referindo-se às gestões do republicano Maurício Macri (2015-2019) e do atual presidente, o peronista Alberto Fernández.

A exceção é o ultraliberal Javier Milei, que usa o mal-estar econômico do país como principal trampolim político, mas tampouco expõe planos concretos sobre sua proposta de dolarização da Argentina, segundo analistas. "É o tema em que Milei pode se apoiar mais, mas ele não consegue afiançar um projeto de governo, propõe intervenções em temas pontuais", diz López.

As primárias na Argentina, chamadas de Paso (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), normalmente são encaradas como uma grande pesquisa nacional para o primeiro turno, em 22 outubro. Desta vez, porém, elas também podem mudar o rumo das eleições, a depender de quem ganhar na coalizão opositora Juntos por el Cambio. Larreta é mais de centro, e Bullrich vai mais à direita.

Até agora, o cenário é de grande incerteza, com sondagens mostrando uma disputa acirrada entre os dois, que registram algo próximo a 15% das intenções de voto. Juntos, eles somam cerca de um terço dos eleitores, enquanto a coligação peronista União pela Pátria segue colada atrás. Milei perdeu fôlego no último mês e registra cifras que vão de 12% a 20%, a depender do levantamento.

Há ainda uma parcela importante da população que não decidiu seu candidato, como o zelador Miguel, ou pretende votar em branco ou nulo. O sentimento de "estou farto" e a desilusão com a política é uma marca desse pleito, após sucessivos governos não conseguirem conter a escalada inflacionária e evitar a terceira grande crise econômica do país em 40 anos de democracia.

Os preços subiram 116% nos últimos 12 meses, considerando o índice acumulado até junho -a segunda maior cifra da América Latina, atrás apenas da Venezuela. Algumas das causas apontadas são um déficit insistente, alta dívida externa, moeda sem credibilidade e falta de dólares nos cofres públicos. Quatro em cada dez argentinos estão abaixo da linha da pobreza.

"As soluções passam por eliminar subsídios, cortar serviços públicos e outras medidas antipáticas numa campanha eleitoral, por isso os candidatos se esquivam, apesar de todos terem estudos sobre o caminho que pretendem tomar", afirma o economista Juan Telechea, diretor do ITE (Instituto de Trabalho e Economia da Fundação Germán Abdala).

O ministro peronista Sergio Massa, por exemplo, tem concentrado seus discursos na indústria nacional, e sempre se posta ao lado de trabalhadores: "Estão em jogo dois modelos de país, um que aposta na produção nacional, no emprego genuíno e na venda do trabalho argentino para o mundo, e outro que busca apenas a especulação financeira", declarou num comício esta semana.

Já Horacio Larreta aposta na sua experiência na gestão da capital Buenos Aires, dizendo que "vamos fazer porque já fizemos". Ao som de canções esperançosas ou heroicas, é um dos que mais lista propostas econômicas, falando em controle de gastos, redução de impostos e impulsionamento de exportações, mas sem entrar em detalhes.

Ele também defende medidas mais conservadoras na área da segurança, assim como Patricia Bullrich. A ex-ministra de Macri fala em "colocar ordem" no país e estimula a polarização com o peronismo. Nas finanças, também defende o fim do limite à compra de dólares e um Banco Central independente, mas recentemente foi alvo de piadas por declarações em que mostrou desconhecimento da área.

A campanha de Milei, por sua vez, destoa do tom morno dos outros candidatos. Ao som de rock, usando jaqueta de couro e sempre rodeado de uma multidão de jovens, o libertário fala em acabar com o Banco Central e enxugar radicalmente o Estado contra a corrupção. Seu slogan, sempre em letras garrafais, é um pouco mais direto: "Viva a liberdade".


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