WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Joe Biden não escolheu à toa o lugar onde vai receber o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, nesta sexta-feira (18).
Oficialmente, Camp David é o retiro de campo dos presidentes americanos, a cerca de 110 km da Casa Branca. Historicamente, é palco dos principais encontros diplomáticos do país ?foi ali que Egito e Israel selaram um acordo de paz em 1978 sob a mediação de Jimmy Carter.
Desde 2015, porém, o local não recebia nenhuma liderança estrangeira. O encontro é ainda o primeiro na história somente entre os três países, fora de um evento maior como o G20 e a Assembleia-Geral da ONU.
A expectativa é que seja anunciada nesta sexta uma cooperação militar e econômica muito mais forte entre Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão. O objetivo é promover uma coordenação estratégica entre os países para fazer frente à Coreia do Norte e à China ?que já está chamando a iniciativa de "mini-Otan", em referência à aliança militar ocidental, e de um passo dos EUA em direção a uma nova Guerra Fria.
São esperadas medidas como a criação de uma linha direta entre os países para momentos de crise, exercícios militares conjuntos, fortalecimento das cadeias de produção ?em especial as de semicondutores e de baterias para carros elétricos? e o compromisso de repetir a reunião anualmente.
"O fortalecimento do nosso engajamento faz parte dos nossos esforços mais abrangentes para revitalizar, fortalecer e unir as nossas alianças e parcerias ?e, neste caso, para ajudar a concretizar uma visão compartilhada de um Indo-Pacífico que seja livre e aberto, próspero, seguro, resiliente e conectado", afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, durante conversa com jornalistas na terça (15).
Líderes de Japão e Coreia do Sul foram os primeiros a serem recebidos na Casa Branca por Biden e são os principais aliados dos americanos na região. Juntos, eles sediam cerca de cem bases militares e 80 mil soldados dos EUA. No entanto, problemas históricos entre os países asiáticos sempre impediram um alinhamento maior entre as três nações, o cenário ideal para Washington.
Por isso, o encontro também tem um peso simbólico enorme para Tóquio e Seul, cuja relação é marcada por um forte antagonismo que vem da violenta ocupação da Coreia pelos japoneses entre 1910 e 1945.
"O governo Biden busca institucionalizar a cooperação trilateral porque ela oferece uma base mais sólida do que ter que gerenciar alianças bilaterais separadas", afirma Scott Snyder, diretor do programa de política EUA-Coreia do think tank Council on Foreign Relations (CFR), sediado em Washington.
"É uma resposta à convergência nas percepções de ameaça por parte de EUA, Japão e Coreia do Sul, reflexo de uma China que busca operar seguindo um conjunto de regras diferente daquele que tem estado em vigor no leste da Ásia por décadas", completa.
Esse temor do poderio chinês, com a crescente tensão em relação à Taiwan, soma-se às ameaças nucleares norte-coreanas e a interesses próprios dos líderes asiáticos para resultar em uma oportunidade única para os americanos fazerem seus aliados sentarem na mesa, avaliam analistas.
Yoon e Kishida são vistos como líderes conservadores, pragmáticos e ansiosos por uma vitória diplomática que lhes renda popularidade. Desde que tomou posse, o sul-coreano vem buscando se aproximar do Japão, e os dois países chegaram a um plano de compensação referente ao uso de trabalho forçado por japoneses durante os anos de ocupação.
Internamente, porém, ele enfrenta resistência. O DPK (sigla para Partido Democrático da Coreia, de oposição) chamou a política externa de Yoon de a maior humilhação diplomática da história do país.
"A aposta de Yoon em Tóquio é desvincular a cooperação prática das questões históricas e da política doméstica, para fortalecer a posição da Coreia do Sul na Ásia e reforçar sua aliança com os EUA", escreve Leif-Eric Easley, pesquisador do instituto de estudos Asan, com sede em Seul.
Essa tentativa coreana de ganhar espaço na região colocou os chineses em alerta. Em editorial, o jornal Global Times, vinculado ao Partido Comunista Chinês, diz duvidar que as autoridades sul-coreanas "entendam o que as águas turvas em que estão se metendo" significam para o país.
"Se eles estivessem conscientes, não demonstrariam esse nível de entusiasmo e ansiedade ao receberem seu ingresso para a ?cúpula de Camp David?, parecendo uma criança da pré-escola recebendo uma estrelinha do professor. Em vez disso, estariam cheios de um profundo temor e cautela, como se estivessem à beira de um abismo ou pisando em gelo fino", completa o texto.
"Não importa o quanto você tinja seu cabelo de loiro, o quanto você afine seu nariz, você nunca pode se tornar europeu ou americano, você nunca pode se tornar um ocidental. Nós devemos saber onde nossas raízes estão", afirmou Wang Yi, principal diplomata da China, em fórum realizado em julho, segundo a CNN.
A resposta norte-coreana não foi menos agressiva. Segundo o veículo chinês, o ministro da Defesa da Coreia do Norte, Kang Sun-man, disse que os EUA estão deixando o nordeste da Ásia à beira de uma guerra nuclear.
Do lado japonês, Kishida dá continuidade como premiê a esforços que vem fazendo desde que foi chanceler e negociou, em 2015, o acordo sobre as "mulheres de conforto", como eram chamadas as vítimas de prostituição forçada e escravidão sexual durante a ocupação japonesa na Coreia do Sul.
Líderes asiáticos não são os únicos com interesses no acordo. Para Biden, é outro passo em uma política mais dura contra Pequim ?há duas semanas, Washington anunciou a proibição de investimentos em tecnologias que possam ser usadas com fins militares por determinados países. Entre eles, claro, a China.
Outras iniciativas recentes dos EUA contra Pequim são o Quad, aliança em que Washington se une a Japão, Índia e Austrália, e o Aukus, em conjunto com Reino Unido e Austrália. Snyder, no entanto, não vê na cooperação trilateral um escalonamento da tensão com a China. Para ele, é uma resposta coletiva dos países para preservar o status quo, não para mudá-lo.
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1910-1945
Ocupação da Coreia pelo Japão
1937-1945
Japão entra em guerra com a China, após ter ocupado parte do país em 1933
Anos 1990
Começam esforços para uma cooperação trilateral. Em um encontro histórico em Tóquio, o Japão reconhece a ocupação e pede desculpas à Coreia do Sul
Anos 2000
Após a Coreia do Norte admitir que tem um programa nuclear, os três países, junto com China e Rússia, discutem como conter o país
2013
O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, visita um santuário que homenageia, entre outros, criminosos de guerra. Coreia do Sul e China reagem
2013
Obama consegue promover encontro entre Coreia do Sul e Japão em resposta a testes nucleares da Coreia do Norte e incentiva que ambos falem sobre as chamadas "mulheres de conforto", como são chamadas as vítimas forçadas à prostituição e escravidão sexual pelo Japão
2015
Coreia do Sul e Japão declaram em acordo conjunto que pretendem resolver a questão das "mulheres de conforto"
2017
Novo presidente sul-coreano critica acordo e recua do plano para compensar as vítimas e suas famílias
2018
A Suprema Corte sul-coreana determina que empresas japonesas compensem trabalhadores não pagos durante a Segunda Guerra Mundial
2021
Novas ameaças da Coreia do Norte levam os EUA a voltarem a pressionar por encontros trilaterais, mas esforço enfrenta resistência dos países asiáticos, a ponto de ambos furarem uma entrevista coletiva, deixando a representante americana sozinha no palco
2023
Biden recebe os líderes do Japão e da Coreia do Sul em um encontro histórico em Camp David, onde deve ser anunciada uma cooperação formal entre os três países
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