SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os advogados de Donald Trump tiveram a cara de pau de pedir aos promotores em Atlanta que a detenção dele fosse marcada para coincidir com o horário de maior audiência na TV nesta quinta-feira (24). O empresário escroque nova-iorquino, que um reality show da NBC transformou em figura nacional, explora ao máximo sua quarta detenção temporária.
As acusações contra Trump por tentativa de roubo da eleição de Joe Biden na Geórgia são as únicas que, por envolverem crime estadual, serão imunes a um indulto presidencial.
É difícil avaliar a competência mental do ex-presidente, que tem postado declarações destemperadas. Mas alegar insanidade não está nos planos da defesa e seria fútil porque o criminoso foi gravado admitindo entender o que é ou não ilegal.
Tenho notado um tom de inveja do Brasil em comentaristas políticos americanos. O país é citado em reportagens sobre Trump como exemplo de que ex-presidentes podem ser condenados sem que o sistema institucional desabe. Naturalmente, não entram em detalhes sobre como a malta de Curitiba poluiu o processo judicial, nem distinguem as ações de Collor, Lula ou Bolsonaro.
O dilema sobre a necessidade de justiça para Trump, o mais criminoso presidente da história dos EUA, ilustra a frágil resistência da mais antiga democracia constitucional.
Uma ala de conservadores enojados com a orgia de ilegalidade que se instalou na Casa Branca a partir de janeiro de 2017 insiste que os múltiplos indiciamentos do ex-presidente vão matar de vez a confiança no processo democrático para um terço dos eleitores que o apoiam.
Conservadores realistas constatam o óbvio: o avanço de quatro investigações criminais sobre o líder inconteste e provável candidato a presidente do Partido Republicano cria uma realidade em que o presidente democrata e provável rival de Trump mais uma vez nas urnas é o beneficiário político de sua eventual condenação ou prisão.
É fato que o ritmo lento das investigações federais e estaduais, após a violenta tentativa de golpe, em janeiro de 2021, levou à percepção de mistura da Justiça com o processo eleitoral. Mas tentar aplacar esta percepção não é solução para impedir golpismo e violência dos que torcem por uma guerra civil.
Hillary Clinton estava no ar ao vivo quando a Geórgia divulgou as 41 acusações contra Trump e seus 18 comparsas. Depois de uma gargalhada nervosa, reconhecendo a coincidência, a democrata que Trump derrotou, com ajuda de Vladimir Putin, Mark Zuckerberg e da pusilânime imprensa política americana, disse que não sentia qualquer satisfação com a notícia, mas sentia "tristeza profunda".
Não compartilho destas expressões de luto. A Presidência Trump deixou claro que o homem não é uma aberração, mas um veículo para uma facção radical que ocupa espaços assustadores -e não representativos da maioria do público- nos três Poderes.
O sistema bipartidário americano não inclui mais duas agremiações igualmente comprometidas com a democracia. Um partido apoiou e apoia golpes de Estado.
Ética ou integridade de caráter não serão fatores em possíveis delações de ex-aliados contra Trump. Medo de prisão, falência com o custo da defesa e interesses eleitorais podem fazer os republicanos ajudarem a condenar o ex-presidente. Ainda assim, é melhor para a sobrevivência da democracia para além dos EUA que corruptos levantem suas vozes para impedir a volta de Donald Trump.
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