JOANESBURGO e BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Os dois principais candidatos à Presidência da Argentina pela oposição de direita criticaram a entrada do país no Brics, bloco hoje formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Tanto o deputado ultraliberal Javier Milei quanto a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich se opuseram à decisão anunciada pelo presidente peronista Alberto Fernández nesta quinta (24).

"Nosso alinhamento geopolítico é com os Estados Unidos e Israel. Essa é a nossa política internacional. Nós não vamos nos alinhar com comunistas", disse Milei, que teve o melhor resultado nas eleições primárias no último dia 13, em evento do Conselho das Américas, organização de livre comércio. A partir de janeiro, o grupo incluirá também Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Egito e Irã.

"Isso não quer dizer que o setor privado não possa comercializar com quem quiser", enfatizou o presidenciável. "Eu não disse que vamos deixar de comercializar com China ou Brasil, o que estou dizendo é que isso é uma questão do setor privado na qual eu não tenho que me meter", acrescentou ele, que já falou também em romper com o Mercosul caso seja eleito.

Mais cedo, no mesmo evento em Buenos Aires, Patricia Bullrich afirmou: "Quero deixar algo claro. Expusemos nossa posição contrária à entrada no Brics", disse a líder do PRO, sigla de Mauricio Macri, que venceu a interna da coalizão Juntos por el Cambio contra Horacio Larreta, chefe do governo da capital.

"O presidente, que está numa situação de enorme fragilidade e sem exercer seu cargo, acaba de comprometer a Argentina com a adesão aos Brics, no momento em que a guerra está ocorrendo na Ucrânia e junto ao Irã, país com o qual temos uma ferida aberta", complementou ela.

A relação entre Argentina e Irã é marcada por um atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) em 1994, que matou 85 pessoas e deixou centenas de feridos. A suposta participação de iranianos no ataque e a falta de cooperação de Teerã nas investigações geraram tensões que perduram até hoje.

"O que pensariam se a Argentina articulasse a entrada do Brasil num grupo em que há um país apontado como responsável por uma agressão ao Brasil?", disse à Folha de S.Paulo Diego Guelar, ex-embaixador da Argentina no Brasil e conselheiro de Bullrich.

Ele afirma compreender a amizade entre Lula e Fernández, mas argumenta que a inclusão da Argentina no Brics é "inconveniente" e "inoportuna" em meio a uma campanha eleitoral e deveria ter sido discutida fora desse contexto. Guelar ressalta que o atual presidente nem sequer está concorrendo à reeleição e que o candidato governista, o ministro da Economia Sergio Massa, teve apenas 20% dos votos nas primárias.

Outros diplomatas ligados à oposição macrista foram na mesma linha. "Consideramos que um governo em retirada que acabou de ser rejeitado por mais de 70% dos eleitores carece da legitimidade para tomar decisões que comprometam o futuro da Argentina", disse Mariano Caucino, ex-embaixador em Israel durante o mandato de Macri e integrante da equipe internacional de Bullrich.

Mesmo antes do pleito, a coalizão já vinha indicando que era contra o ingresso no bloco. "Está claro que pertencemos ao Ocidente, mas manteremos a relação com a China. A Rota da Seda [referência à Iniciativa Cinturão e Rota, maior programa de política externa de Pequim hoje], sim; a entrada no Brics, não", afirmou o ex-vice-chanceler Martín Redrado, então na equipe de Larreta, ao jornal argentino La Nación.

Massa, o último dos presidenciáveis a falar no evento desta quinta, rebateu as críticas: "Se em 11 de dezembro [data da posse do mandatário eleito] vamos romper com o Mercosul e com a China, a primeira coisa que precisamos entender é que estaremos rompendo com nossos dois mercados mais importantes", afirmou.

"Rompendo com a China, perdemos um mercado de US$ 15 bilhões [R$ 72 bilhões]. Rompendo com o Brasil e o Mercosul, perdemos um mercado de US$ 12 bilhões [R$ 58 bilhões]. Não sei como vão fazer para levar adiante a atividade industrial sem importações de bens intermediários desses países", acrescentou.

Alberto Fernández, por sua vez, ressaltou que os cinco países que compõem o Brics hoje representam 30% do destino das exportações argentinas ao defender a adesão. "A Argentina não deve perder nenhuma instância de integração que sirva para potencializar seu crescimento", disse.

"Aumentar a capacidade de exportação aos países-membros, assim como o fortalecimento das nossas oportunidades comerciais com países que mantêm relações de segundo nível com eles, é uma oportunidade que nos está sendo apresentada."


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