SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Duas reputadas instituições de pesquisa em política internacional, uma em Washington e a outra em Londres, concordam com o óbvio: os serviços de inteligência de Israel foram incompetentes ao não preverem as operações terroristas do Hamas em território israelense.
Mas a britânica Chatham House e o americano CSIS (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais) vão mais longe. Analisam o atual conflito do ângulo da comunidade de informações e relatam as dificuldades que ela encontrará, sobretudo para a localização e resgate dos reféns em poder do grupo islâmico que controla a Faixa de Gaza.
Yossi Mekelberg, um dos especialistas em Oriente Médio da Chatham House, diz em longo ensaio que a surpresa esteve no fato de Israel acreditar que o Hamas tendia a manter o terrorismo quase inativo. Isso porque autoridades israelenses haviam aumentado o número de vistos de trabalho para a população de Gaza interessada em ter um emprego em Israel, o que permitia aos palestinos locais maior ganho em dinheiro e melhor conforto material.
No CSIS, Emily Harding, diretora em tecnologia de inteligência, disse em podcast que a espionagem de Israel, com passado de uma competência invejável, foi incapaz de juntar fragmentos de episódios que chegavam a seu conhecimento e, com isso, prever do que o Hamas seria capaz.
O ataque iniciado em 7 de outubro, no entanto, surpreendeu militares israelenses amplamente desprevenidos, diz o especialista britânico. Para a estudiosa americana, a inteligência israelense desmentiu de modo vexatório a reputação de possuir entre seus quadros "os melhores entre os bons". Com o ataque surpresa, de nada adiantavam os conhecimentos técnicos que a inteligência tinha, por exemplo, sobre os mísseis inimigos.
Uma explicação. A comunidade israelense de informações tem três organismos, o Aman (da área militar), o Mossad (atuação no exterior) e o Shabak (atuação dentro do país). Existe ainda o Centro de Informações sobre Inteligência e Terrorismo, teoricamente não operacional, financiado em parte pela comunidade judaica dos Estados Unidos.
Uma outra observação. Mekelberg e Harding sabem muito mais do que escrevem ou falam. Os especialistas em inteligência possuem segredos que não revelam em hipótese alguma em manifestações públicas. Mesmo assim, é instrutivo ouvi-los.
Por exemplo: Harding diz acreditar que a comunidade israelense de informação está hoje com seu olhar dividido entre o norte, de onde poderão chegar atos terroristas de outro grupo islâmico, o Hezbollah, e o leste, onde o Irã, que já participa indiretamente do conflito ao financiar terroristas, ameaça enviar combatentes contra Israel. Ela omitiu do cenário outra informação aterrorizante. O Irã talvez já possua ogivas nucleares armazenadas. É plausível que o mesmo ocorra com Israel desde os anos 1970.
Yossi Mekelberg levanta dois fatos negativos. Em primeiro lugar, Israel se ressente das divisões internas provocadas em meses de protestos pela intenção do primeiro-ministro Netanyahu de restringir os poderes da Suprema Corte. Do lado palestino, o momento não é tampouco reconfortante. A causa nacional (um Estado independente) está em baixa na comunidade internacional, enquanto Israel procura normalizar relações com os vizinhos árabes. Começou com os Emirados Árabes Unidos em 2020 e agora corteja a Arábia Saudita.
Harding volta à questão dos reféns. Diz que nenhum outro país conhece Gaza tão bem quanto Israel, que ali já instalou no passado núcleos de colonização judaica. E Israel sabe o quanto o território é cheio de armadilhas.
Digamos que a espionagem receba a informação de que alguns dos reféns foram escondidos há três dias em determinado prédio de apartamentos. Se a informação for verdadeira, o Hamas já poderá ter deslocado os prisioneiros para outro local. E debaixo da rua de terra pode haver um túnel que desmoronaria com o peso do veículo militar israelense destacado para a previsível operação de resgate.
Nas duas últimas décadas, diz Emily Harding, os EUA experimentaram situações delicadas ao enfrentarem inimigos urbanos no Iraque ou no Afeganistão. Pois comparativamente, Gaza já é agora bem pior para Israel.
Ela diz, por fim, que a passagem de Rafah tende a permanecer fechada porque o Egito teme o ingresso de palestinos doutrinados pelo Hamas, que é um grupo islâmico e que nada tem a ver com a ideologia laica que alimenta a hierarquia da ditadura egípcia.
No plano da guerra de imagens, Mekelberg disse algo interessante. O Hamas pode estar obtendo uma vitória de Pirro. Isso porque criou tamanha confusão em Israel e em Gaza que os países árabes vizinhos podem acreditar que "esses palestinos" são politicamente irresponsáveis e despreparados para a gestão de um possível Estado.
ISRAEL?S INTELLIGENCE REGROUPS
Autoria: CSIS (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais)
Link: https://www.csis.org/podcasts/truth-matter/israels-intelligence-regroups
Duração: 17 min. (em inglês)
THE HAMAS ATTACK IS A DARK DAY FOR ISRAEL?S INTELLIGENCE SERVICES
Autoria: Yossi Mekelberg
Link: https://www.chathamhouse.org/2023/10/hamas-attack-dark-day-israels-intelligence-services
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