SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, a Argentina vê as campanhas dos candidatos ganharem contornos cada vez mais parecidos com os das eleições de 2022 no Brasil. Nos últimos dias, os eleitores do país vizinho têm visto denúncias sem prova de fraudes eleitorais, tentativas de virar voto nas ruas e resgates de falas antigas dos candidatos.
O cenário não é exatamente uma novidade, já que havia terreno para que os políticos explorassem as mesmas estratégias usadas no Brasil. Enfrentam-se no próximo domingo (19) um candidato que pode ser chamado de um "político profissional" de esquerda, o governista Sergio Massa, e um outsider ultraliberal que ganhou espaço por seu desprezo ao que chama de "casta" política, o opositor Javier Milei.
A despeito das diferenças entre os dois países, a situação guarda semelhanças com a do ano passado no Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente por dois mandatos, enfrentava Jair Bolsonaro, que explorou a fadiga dos brasileiros em relação à classe política apesar de ser candidato à reeleição e ter no currículo uma carreira de quase 30 anos no Congresso.
"Tanto Bolsonaro quanto Milei apostam em um perfil antissistema, de homem corajoso, que diz a verdade e não se importa com o politicamente correto, e seus apoiadores compartilham insultos a jornalistas e alegações de fraude eleitoral", diz João Guilherme Bastos dos Santos, diretor de análises do grupo de pesquisas Democracia em Xeque.
A última mostra dessa semelhança entre as duas eleições foi o lançamento da plataforma Lo que dice Milei (o que Milei diz, em português), que reúne controversas declarações do ultraliberal.
Ali, foram agregados os posicionamentos do opositor sobre subsídios a serviços públicos, privatização da educação e porte de arma. Representante de uma vertente radical do liberalismo econômico na Argentina, Milei já chegou a falar que era a favor da legalização da venda de órgãos e crianças, embora tenha buscado moderar seu discurso.
O site não tem identificação partidária, mas a central de transparência de anúncios do Google mostra que a coalizão peronista União pela Pátria, de Massa, impulsionou a página para que ela aparecesse na busca dos usuários entre os dias 11 e 13 de novembro. Entre esses dois dias, no domingo (12), aconteceu o último debate das eleições, e Massa aproveitou a ocasião para pedir cinco vezes à audiência para pesquisar "o que Milei disse".
No Brasil, uma ferramenta semelhante reuniu falas antigas de Bolsonaro ?o Bolsoflix, plataforma que compilava críticas do então presidente à vacina contra a Covid-19, investigações relacionadas aos seus filhos e comparações de suas atitudes com a de ditadores. Diferentemente do site argentino, porém, a iniciativa brasileira era completamente anônima.
Apesar da sutil mudança de discurso, Milei não abandonou completamente a retórica agressiva. Sem apresentar provas, ele tem afirmado que houve irregularidades no primeiro turno, em 22 de outubro, e coloca em dúvida a precisão do pleito no próximo domingo.
De acordo com o estudo "Eleição da Argentina no YouTube", do Democracia em Xeque, multiplicaram-se entre os dias 15 de agosto e 12 de novembro conteúdos afirmando que as urnas eletrônicas usadas na Argentina são adulteradas e que kirchneristas fraudaram a contagem dos votos.
Também viralizaram nas últimas semanas tentativas dos argentinos de conseguir votos para Massa com pequenos discursos nos vagões do metrô ?algo semelhante ao que aconteceu no Brasil, com bancas montadas em locais de grande circulação para tentar atrair indecisos.
Em um deles, Ricardo Gené, que se apresentou como médico há 56 anos e funcionário de hospitais públicos há 40, diz que conseguiu estudar por acessar uma universidade gratuita. "Estão falando de privatizar a saúde e a educação. Seria um dano irreparável. Custaria gerações para voltar a tê-las", diz o médico.
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