SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - De forma bastante discreta, a Rússia de Vladimir Putin começou a usar patrulhas aéreas para tentar bloquear ataques de forças israelenses contra alvos ligados ao Irã e à ditadura de Damasco na Síria, que têm sido bombardeados periodicamente desde que estourou a guerra Israel-Hamas.
A manobra implica uma série de riscos de escalada, e demonstra antes de tudo um recado sutil de Putin a Washington de que ele não pretende deixar seus aliados no Oriente Médio sem apoio.
Tudo começou na semana passada, quando a mídia israelenses divulgou que ao menos um helicóptero de transporte russo Mi-8 havia sido visto margeando a chamada Linha Bravo, a fronteira a leste do território que separa a Síria das colinas de Golã, tomadas por Israel do país árabe na guerra de 1967.
Entre ela e a Linha Alfa, do lado ocupado pelos israelenses, há uma zona tampão administrada pela ONU desde o cessar-fogo após a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Nenhum dos rivais pode entrar nesse território.
Na quinta (18), um dia após o sobrevoo do helicóptero, a Rússia abriu o jogo em uma nota da agência Tass. Havia registrado três ataques de grupos rivais do ditador Bashar al-Assad em áreas sob sua jurisdição dentro do programa para desescalar a guerra civil que assola a Síria desde 2011.
Além disso, o drone americano MQ-1C Gray Eagle, capaz de missões de vigilância e de ataque, teria segundo os russos violado espaço aéreo sírio perto de sua base, em Al-Tanf. "Para monitorar a situação, unidades das Forças Aeorespaciais Russas organizaram patrulhas ao longo da Linha Bravo", afirmou o almirante Vadim Kulit.
Ele é o chefe adjunto do Centro Russo para Reconciliação entre as Partes Opostas na Síria. Apesar do nome, Moscou apoia Assad, a quem salvou da queda quando interveio na guerra civil em 2015. Desde então, ampliou o porto que já operava em Tartus e ganhou uma grande base aérea em Hmeimin.
Só que a Linha Bravo está no principal caminho de caças e drones israelenses rumos a alvos na Síria, como já fizeram diversas vezes na guerra. Os bombardeios citados foram perto de Aleppo, no distante norte do país, e teriam sido feitos por grupos jihadistas. Já o voo do drone americano citado ocorreu mais de 1.500 km a leste da Linha Bravo.
Assim, o que os russos querem é dissuadir israelenses e, indiretamente, americanos de agir na Síria. Segundo uma pessoa com trânsito na área da Defesa em Moscou disse à Folha de S.Paulo, pedindo anonimato, o Kremlin busca delimitar espaços.
Os EUA já atacaram bases de grupos ligados ao Irã que haviam lançado foguetes contra bases suas no país árabe. No sábado, Israel foi acusado por Teerã de ter matado ao menos cinco membros de sua elite militar, a Guarda Revolucionária, em um ataque aéreo num bairro de Damasco. O cenário é tão confuso que até o Irã atacou bases rivais na Síria, mas em território fora do controle da ditadura com apoio russo.
Desde o começo da guerra Israel-Hamas, após o grupo terrorista palestino lançar um mega-ataque contra o Estado judeu em 7 de outubro passado, Putin tem se posicionado ao lado daquilo que o Irã chama de Eixo da Resistência ?contra os israelenses e seus maiores aliados, os americanos.
Integram o grupo de Teerã a Síria, o Hamas, a Jihad Islâmica palestina, o Hezbollah libanês e os houthis do Iêmen, além de uma miríade de agremiações regionais que operam na Síria e no Iraque.
O presidente russo chegou a ameaçar veladamente os EUA e seus porta-aviões enviados para a região em apoio a Israel, criticando o deslocamento e iniciando patrulhas com caças armados com mísseis hipersônicos, que teriam alcance hipotético para atingir os navios de Washington a partir do mar Negro.
Não passou de retórica, em meio à crise aguda entre o Kremlin e o Ocidente devido à Guerra da Ucrânia, mas a movimentação na Síria, até por silenciosa, embute riscos maiores.
O céu do país árabe já é congestionado de aeronaves de potências rivais. Nesta terça (23), os sírios disseram ter derrubado um drone vindo da Jordânia, se queixando da violação de seu espaço aéreo. Em julho passado, um caça russo danificou intencionalmente um avião-robô americano.
Pouco antes, os EUA haviam anunciado, de forma inusitada em público, que enviariam caças F-22 de última geração para a região a fim de conter o que chamavam de aumento da atividade aérea russa. Militares de ambos os países já se estranharam nas estradas do país árabe.
Um dos mais sérios incidentes, para Moscou, ocorreu em 2018, quando um avião de reconhecimento com 15 militares foi abatido pelas defesas sírias, que por sua vez tentavam atingir caças israelenses que haviam atacado Damasco.
Desde aquele caso, russos e israelenses melhoraram suas comunicações para evitar acidentes. Com a guerra e o rompimento de Putin com o premiê Binyamin Netanyahu, a zona cinzenta se adensou.
Além de marcar posição política, o russo tem seus principais ativos no Oriente Médio na Síria. Uma escalada, ainda que acidental, poderia expor o Kremlin a um envolvimento indesejado para quem está focado no combate nos campos ucranianos.
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