SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se a verdade é a primeira vítima da guerra, como teria dito em 1918 o senador americano Hiram Warren Johnson, a lista das baixas dos quase dois anos de conflito na Ucrânia ganhou uma nova e inusitada adição: as bananas do Equador.

A agência reguladora agrícola da Rússia, Rosselkhoznadzor, divulgou nesta terça (6) uma lista com cinco produtores equatorianos que não poderão mais vender suas frutas no país. A alegação formal foi a detecção de uma praga, a mosca branca, em alguns lotes de bananas.

O contexto político, contudo, é mais complexo e mostra uma confluência entre a invasão russa da Ucrânia e a aguda crise de segurança no país sul-americano, que vive sob um estado de emergência e uma guerra declarada ao narcotráfico desde o começo do ano.

Em 31 de janeiro, o presidente equatoriano, Daniel Noboa, confirmou que toparia um acordo proposto pelos Estados Unidos para receber US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) em armas novas americanas para equipar suas forças de segurança.

Em troca, disse, daria para Washington enviar à Ucrânia antigo material militar soviético comprado por Quito, "sucata de metal" nas suas palavras, que pode ter utilidade para Kiev, herdeira de um grande arsenal do antigo império comunista ao qual esteve subordinada de 1922 a 1991.

Os EUA têm procurado parcerias semelhantes em todo mundo, para tentar mitigar o esvaziamento dos depósitos ucranianos com a guerra, já que o ritmo de produção ocidental para supri-los é insuficiente, prejudicando as ações de Kiev.

Moscou não gostou. "O Equador tomou uma decisão irresponsável sob séria pressão de partes externas interessadas", afirmou na semana passada a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova. Segundo ela, Quito não pode fornecer o material soviético sem a autorização da Rússia, algo que Noboa contestou.

O impasse migrou para a área econômica. O Equador é o maior exportador de banana do mundo. Responsável por 10% de suas vendas, estimados R$ 3,7 bilhões em 2023, a fruta só fica atrás do petróleo e dos crustáceos na pauta comercial do país.

E a Rússia é destino de cerca de 1/4 de todas essas bananas. Nada menos que 90% das frutas do tipo consumidas no país de Vladimir Putin vêm da terra de Noboa, o que dá a medida prática da crise em curso. O Equador não adotou as sanções ocidentais devido à guerra contra a Rússia.

Bananas são particularmente apreciadas em Moscou e São Petersburgo, onde o quilo sai por algo perto de R$ 8. Segundo disse à agência Associated Press o chefe da associação de produtores da fruta no Equador, Richard Salazar, o mercado russo é vital e de difícil substituição.

Ele aponta, por outro lado, que o veto não se aplica a outros 15 grandes produtores do país, o que sugere um tiro de advertência.

Noboa precisa do armamento americano, composto basicamente por equipamento de segurança pública, como fuzis, armas leves, coletes à prova de bala, drones. Suas Forças Armadas têm, segundo o Instituto IISS (Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres), 41 mil integrantes para lidar com um grande contingente criminoso.

Só os Los Choneros, principal facção do país e no centro da atual crise, iniciada com a fuga de seu líder de uma cadeia em Guayaquil, tem cerca de 12 mil integrantes na estimativa do governo. A gangue rival, Los Lobos, outros 8.000, com milhares de outras pessoas associadas aos cerca de 20 grupos em ação no país.

Noboa tem certa razão quando fala que só opera sucata soviética. Sua principal contribuição deverá ser na área de munição. Os equatorianos, devido a alinhamentos diversos ao longo de sua história na Guerra Fria, têm uma mistura de equipamentos militares inusitada: carros blindados brasileiros, tanques leves e helicópteros franceses, aviões ocidentais como o Embraer Super Tucano.

E algumas armas russas. Segundo o IISS, ao menos cinco helicópteros de uso misto da família Mi-17, 18 lançadores de múltiplos foguetes Grad, modelos portáteis antiaéreos Igla e Strela, canhões antiaéreos diversos.

Nada que irá mudar o rumo da guerra para Volodimir Zelenski, mas os aliados de Kiev têm tentado manter o equipamento soviético dos ucranianos em funcionamento enquanto discutem o nível de apoio ao país. O Congresso dos EUA ainda bloqueia um pacote de R$ 300 bilhões, enquanto a União Europeia liberou R$ 270 bilhões após dura negociação.


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