BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, reúne-se nesta quarta-feira (21) com o presidente Lula (PT) em meio a crescentes discordâncias entre os dois governos sobre temas-chave da geopolítica atual, entre eles a ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza e a deriva autoritária de Nicolás Maduro na Venezuela.

Ao mesmo tempo, Blinken e Lula devem encontrar terreno comum em áreas como transição energética, direitos de trabalhadores e ações internacionais de combate à fome.

O secretário de Estado desembarcou em Brasília na noite desta terça-feira (20). Depois do encontro com Lula, ele segue para o Rio de Janeiro, onde tem um compromisso com o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e participa da reunião de chanceleres do G20.

A chegada de Blinken a Brasília ocorre no momento em que o governo Lula ainda lida com a repercussão das declarações do petista na Etiópia, no domingo (18). Na ocasião, Lula comparou a ofensiva militar israelense em Gaza ao Holocausto na Segunda Guerra Mundial.

"Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus", afirmou o líder brasileiro.

A fala desencadeou uma crise com o governo de Israel, que declarou Lula "persona non grata" no país. Como resposta, o Itamaraty convocou o embaixador do Brasil em Tel Aviv para consultas.

O conflito no Oriente Médio deve ser discutido nas reuniões de Blinken no Brasil. O diplomata, que é judeu, deve reafirmar posições já verbalizadas em Washington: a de que o governo Biden não concorda com a afirmação de que Israel comete genocídio em Gaza --a Casa Branca já chamou de "contraproducente" e "sem base" o processo movido pela África do Sul em Haia com essa acusação-- e a de que um cessar-fogo unilateral colocaria em xeque as negociações sobre a liberação dos reféns sob poder do Hamas.

De acordo com especialistas americanos das relações Brasil-EUA, a comparação com o Holocausto feita por Lula foi mal recebida em Washington e adicionou mais um componente incômodo na viagem para Blinken, que provavelmente será questionado sobre o tema durante entrevistas a jornalistas.

O próprio Departamento de Estado tornou pública a divergência nesta terça. "Obviamente, nós discordamos desses comentários. Temos sido muito claros em que não acreditamos que o que tem ocorrido em Gaza seja genocídio", disse o porta-voz do departamento, Matthew Miller.

Gaza não é o único assunto em que os governos Lula e Biden apresentam posições distantes.

Na mesma entrevista na Etiópia, Lula não seguiu líderes do Ocidente e evitou responsabilizar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pela morte do opositor Alexei Navalni, que estava numa prisão russa. Biden, por outro lado, declarou ter ficado indignado com a morte de Navalni e disse que ela foi "consequência de algo que Putin e seus capangas fizeram".

A situação na Venezuela é outro tema geopolítico que costuma vir à tona nos contatos de alto nível entre os governos de Brasil e EUA. A diferença é que, nesse tema, auxiliares de Biden veem o líder brasileiro com condições reais de enviar mensagens e de atuar como interlocutor do ditador Nicolás Maduro.

Mas mesmo nesse tema as opiniões dos governos Biden e Lula têm se distanciado. Segundo interlocutores nos EUA, a avaliação no Departamento de Estado é a de que Maduro tem dado sucessivas mostras de que não está comprometido com o acordo de possibilitar a realização de eleições minimamente livres em 2024.

Em janeiro, por exemplo, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano anunciou que sanções econômicas sobre os setores de petróleo e gás da Venezuela serão reestabelecidas caso Maduro não permita que todos os candidatos participem das eleições neste ano.

Lula, que em 2023 ajudou na reabilitação internacional de Maduro ao recebê-lo com honras em Brasília, tem preservado o ditador de críticas apesar da prisão de adversários e do bloqueio do chavismo à candidatura da principal opositora, María Corina Machado.

Também na Etiópia, Lula foi questionado por uma jornalista sobre a recente decisão de Maduro de expulsar da Venezuela funcionários do escritório da ONU para direitos humanos. O petista se esquivou de criticar o regime. "Eu não tenho as informações do que está acontecendo na Venezuela, da briga da Venezuela com a ONU. Eu posso responder essa pergunta com precisão quando eu chegar ao Brasil e tiver uma reunião com a política externa brasileira e saber".

Além desses temas mais sensíveis, a visita de Blinken ao Brasil inclui discussões de pautas em que os dois países -que celebram 200 anos de relações diplomáticas em 2024- estão alinhados, como a parceria pelos direitos dos trabalhadores e a cooperação na área de transição para energia limpa.

O secretário-assistente para assuntos econômicos e de negócios dos EUA, Ramin Toloui, afirmou a jornalistas, na semana passada, que Blinken pretende destacar em sua passagem pelo país exemplos concretos de ações visando à sustentabilidade. Como exemplo, mencionou o desenvolvimento de variedades de culturas mais resistentes a mudanças climáticas e a construção de solos saudáveis e férteis por meio de parcerias como o programa Visão para Culturas e Solos Adaptados.

Em 2023, os EUA se comprometeram com um aporte de US$ 150 milhões (cerca de R$ 750 milhões) na iniciativa, lançada originalmente em conjunto com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e a União Africana.

No Fórum Econômico Mundial, em janeiro, Blinken apresentou o programa como uma resposta do governo americano à insegurança alimentar --tema caro à gestão petista-- e aproveitou a ocasião para buscar apoio de outros países.

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Hoje, entre as importações brasileiras, destacam-se produtos relacionados à energia --como combustíveis refinados, gás natural e fertilizantes. Já os principais produtos vendidos aos americanos são petróleo bruto, aeronaves, ferro, aço, café e celulose.

Depois da passagem pelo Brasil, Blinken segue para Buenos Aires, onde tem um encontro previsto com o presidente Javier Milei.


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