RALEIGH, CAROLINA DO NORTE (FOLHAPRESS) - Apresentar um documento com foto na seção eleitoral para votar é algo básico no Brasil. Na Carolina do Norte, é uma novidade introduzida por uma reforma que, na visão de críticos, tem o objetivo de afastar eleitores em um estado crucial para a eleição presidencial deste ano. O primeiro teste das novas regras foi realizado nas primárias desta terça-feira (5).
No ano passado, o estado aprovou uma série de mudanças nas suas regras eleitorais, na esteira de uma tendência que ganhou força após as acusações de fraude feitas por Donald Trump ao perder o pleito de 2020 para Joe Biden.
"É um equilíbrio que precisamos achar entre garantir a segurança das eleições e não privar eleitores de seus direitos", afirma Karen Brinson Bell, diretora-executiva do Comitê Eleitoral da Carolina do Norte. Trabalhando nos bastidores da burocracia, ela não esconde o desconforto de se ver de repente sob os holofotes. "É difícil. Antigamente a gente só era notícia se algo dava errado. Agora somos notícia não importa o que aconteça."
Quem envia o voto por correio, caso de dois terços dos eleitores do estado, precisa incluir agora uma cópia de um documento com foto. Além disso, o período de três dias após a eleição em que essas cédulas eram aceitas foi eliminado.
Em conjunto, as mudanças tendem a reduzir a participação eleitoral de jovens, idosos e grupos marginalizados, sobretudo negros -quase um quarto da população do estado-, afirma a professora Deondra Rose, da Universidade Duke.
A Carolina do Norte está no centro das atenções porque o estado será um dos principais campos de batalha pela Casa Branca em novembro. A população é uma das que mais cresce nos EUA, alterando o equilíbrio entre democratas, republicanos e independentes que vigorava até então, em favor do último grupo.
Desde a eleição de 2020, o estado ganhou quase 400 mil habitantes --o grosso vindo de outras regiões do país, mas também imigrantes hispânicos. No pleito, Biden perdeu para Trump por apenas 74 mil votos. Por isso, democratas têm esperança de conseguir virar a votação no estado neste ano.
Os novos moradores são estudantes e profissionais atraídos pelo chamado "triângulo da pesquisa", uma área entre universidades de prestígio que concentra startups e empresas de biotecnologia. Há ainda famílias e aposentados interessados nos impostos mais baixos.
Reflexo do interesse crescente, tanto Trump quanto sua última adversária na disputa pela indicação republicana, Nikki Haley, fizeram comícios na Carolina do Norte no último sábado (2) antes da Super Terça, de olho nos 74 delegados do estado. A vice-presidente, Kamala Harris, esteve na região na sexta (1º).
"Há muito trabalho sendo feito nas áreas rurais em que não prestamos atenção antes. Nessa campanha estamos fazendo esforço para ter candidatos democratas em áreas que não tínhamos antes", diz Mary Thompson, 64, em frente a uma zona eleitoral no condado de Wake, onde fica a capital do estado, Raleigh. Até cinco anos atrás, a região tinha casas esparsas; hoje, está cheia de novos empreendimentos imobiliários.
Negra e democrata, Thompson estava na companhia de uma colega de partido, Marcha Perry, 75, na manhã desta terça acompanhando as primárias no estado. "Tornar a Carolina do Norte azul começa aqui", dizia a placa em frente à tenda montada por elas, também azul, em referência à cor do partido de Biden.
Enquanto falava com a reportagem, Perry tirou o chapéu azul que usava para mostrar os cabelos brancos, símbolo de sua idade. "Eu estou aqui não pelo meu futuro, mas pelo das novas gerações. Eu sei que a idade de Biden é uma questão para os jovens, mas acho que eles não entendem o que os democratas estão oferecendo e o que os republicanos vão tirar do país."
A poucos passos das duas, Larry Jennings, 70, estava sentado sob uma tenda muito maior que reproduzia a bandeira americana. Diretor do Partido Republicano na área, ele afirmou que a "capacidade cognitiva do atual presidente" o preocupa, mas o maior problema do governo Biden, em sua visão, são as "fronteiras abertas".
Ele não disfarça sua preferência por quem deve ser o candidato republicano contra os democratas: "Nikki está prejudicando o partido por não desistir. Esse dinheiro poderia estar sendo usado na campanha presidencial", diz ele, reproduzindo críticas feitas por Trump.
A sede dos republicanos no condado tampouco é imparcial em sua preferência: fotos do ex-presidente com a esposa, Melania, decoram as paredes, enquanto camisetas com as frases "Ultra Maga e orgulhoso disso" são vendidas por US$ 10 (R$ 50).
"Temos muitas pessoas se mudando para cá de Nova York, Connecticut, lugares profundamente democratas", diz o presidente dos republicanos no condado, Steve Bergstrom, enquanto mostra um slide com a evolução da votação na região desde o apoio maciço a Ronald Reagan nos anos 1980 até a vitória de Biden no condado, com mais de 60% dos votos, na última eleição.
Assim como os democratas acreditam que podem se beneficiar em outras áreas do estado, Bergstrom acredita que as mudanças demográficas em seu condado podem mudar as forças na direção contrária, em favor de seu partido.
"O que importa para atrair esses eleitores é tratar das questões que importam para eles. O que mapeamos aqui, uma área de subúrbio com famílias de classe média, é economia, imigração, segurança e educação, nessa ordem", afirma ele.
No entanto, não menos importante foi a reformulação dos distritos eleitorais realizada no ano passado, graças à maioria republicana obtida no Congresso e na Suprema Corte do estado. A prática, conhecida como "gerrymandering", é usada pelos partidos para recortar áreas cujo eleitorado penda para eles.
No caso da Carolina do Norte, a reforma alterou o equilíbrio de sete distritos democratas e sete republicanos para quatro democratas e, potencialmente, dez republicanos. Bergstrom admite que a vantagem é bem-vinda, mas defende o redesenho dos distritos como uma necessidade justamente para refletir melhor as mudanças demográficas recentes.
O impacto da nova configuração para o domínio do Congresso nacional é dado como certo -republicanos já contam com ao menos três novos assentos na Câmara na eleição em novembro.
"Para Biden, vencer no estado vai ser um luxo; para Trump, uma necessidade. Não há caminho para a vitória de Trump que não inclua a Carolina do Norte", diz Asher Hildebrand, professor de ciência política na Universidade Duke.
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