Poeta fala de seu último livro Oceano Coligido
Repórter Ana Maria Reis
17/01/2001
Iacyr escreve com mãos de engenheiro. Sua última empreitada foi a reunião
poética Oceano Coligido, onde o mestre em Teoria da Literatura edificou,
em livro, o resumo versado de quase 20 anos. Em seu trajeto, 11 obras, 2
ensaios, diversas premiações literárias e várias incursões na imprensa
nacional. Graduado em Engenharia Civil (curioso parêntese que parece esculpir sua poesia em rigor e raciocínio), Iacyr move-se entre as linguagens e o despertar dos versos em telas, música ou relances, lembranças... assim como todos os poetas, a sensibilidade a brigar com o raciocínio da escrita e captação do que pensa o homem. |
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Na década de 80, participou do grupo Abre Alas e das 3 edições da revista
D´Lira. Este movimento reunia pessoas que pensavam arte - poetas, contistas,
romancistas, jornalistas, fotógrafos, músicos e artistas plásticos. Juiz de
Fora assistia, assim, futuros escritores e pesquisadores consagrados
distribuindo pela rua Halfeld, folhetos e idéias.
Oceano Coligido Oceano Coligido foi publicado em dezembro passado. Em uma viagem invertida, em que os livros mais recentes abrem a coletânea, Iacyr Anderson faz referência a tudo que escreveu em duas décadas. Revisita, modifica, renomeia versos e restringe obras. Nas palavras do autor, Verso e palavra, Pedra-Minas, Memorablia, Colagem de bordo e Outurvo encontram-se coligidos em Oceano... dentro de uma perspectiva de conjunto, mais histórica e referencial que estética. Mirante, livro de sonetos e Exercício Estrangeiro, trabalho inédito podem ser conferidos na mesma reunião.
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Sobre o ofício do escritor:"... o núcleo motivador da arte é o mesmo de sempre: o assombro que sentimos quando nos aproximamos perigosamente da nossa própria existência. A nossa estranha falta de respostas para tudo o que nos cerca. O cotidiano. A luta cotidiana. Precisamos romper o véu das habitualidades para ver, para trazer o fel e o açúcar desse mistério à luz do nosso dia."
Iacyr Anderson Freitas
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O JFService conversa com Iacyr Anderson Freitas sobre poesia, arte,
formação e seu último trabalho, Oceano Coligido.
JFService: Como aconteceu a poesia em sua vida ou,
melhor dizendo, por que a engenharia em sua vida?
JFService: Então, o poeta sobrevive à margem do mercado
editorial?
JFService: Mas, o engenheiro Iacyr atravessa de alguma
forma o escritor Iacyr Anderson Freitas?
JFService: Você participou, na década de 80, do grupo
Abre Alas e das edições da revista D´Lira. O que significou para a produção
poética local a atuação deste grupo? E no que este movimento influenciou sua
formação de escritor?
JFService: Oceano Coligido, seu mais recente
livro, é uma coletânea dos trabalhos realizados durante quase 20 anos.
Algumas obras tiveram participação restrita, outra estreou neste contexto
(Exercício Estrangeiro) e todos os poemas foram revistos, sofrendo
modificações. Como aconteceu o processo de maturidade intelectual do
escritor Iacyr Anderson Freitas?
JFService: A história é outra, a estética deste tempo
também. Você se sente impelido a buscar novos recursos? Como a arte poética
consegue sobreviver em tempos da arte repleta de suportes eletrônicos e
sensoriais diversos?
JFService: E, neste emaranhado de informações, qual é
o lugar tomado pela poesia?
JFService: Exercício estrangeiro estreou
dentro de um contexto coligido, em meio a uma reunião, onde o passado
resiste ao "contemporâneo" do poeta. Estes poemas inéditos têm algo de ponte
entre o poeta iniciante e o atual? O resultado final, o livro editado,
exprime suas atuais inclinações estéticas?
JFService: Em Mirante, de 1999, são
trabalhados 33 sonetos - forma poética criticada ao longo do século e, seu
Posfácio é pura metalinguagem. Sendo mestre em Teoria da Literatura, o que você
tem a dizer sobre as pressões sofridas pela incipiente poesia brasileira
diante do processo modernizador/modernista das décadas de 20 e 30? Qual o
percurso da poesia, de lá para cá, dentro do campo literário, tendo que
conviver com a obsessão da inteligentisia pela construção de uma
identidade nacional?
Iacyr - Em termos de poesia – do oficial entendimento que a nossa
sociedade parece estimular acerca do que seja efetivamente poesia -, toda
formação é peculiar. Os diversos empregos de Murilo Mendes, a formação
acadêmica de um Drummond ou de um Dantas Mota, por exemplo (citando apenas
casos mineiros), bem como uma infinidade de outros casos, servem como
ilustração. Ora, não há uma ocupação funcional promissora para o poeta
dentro das esferas de mercado. Nunca houve. E não há também, por outro lado,
alguma sombra de vontade ou desejo, por parte dos praticantes do verso, em
pautar a sua produção pelos ditames mercadológicos. Ao poeta não interessa
uma prática que, sob todos os focos, não seja libertadora.
Iacyr - Ao poeta não interessa a formação de consumidores, de agentes
passivos, de pessoas que não estejam abertas ao exercício crítico. Enquanto
o padrão midiático e paracultural do nosso tempo estiver estacionado no
culto à indigência intelectual e à mediocridade, escreveremos para poucos.
Temos consciência disto.
Iacyr - Quanto à estranheza que sempre cerca a minha formação
profissional, ela advém do fato de que é muito difícil afastar de nossos
olhos uma certa visão maniqueísta do mundo. Assim, sob este aspecto, o
substrato lógico e matemático da profissão de engenheiro seria um empecilho
à prática do verso, prática esta que exigiria apenas sentimento e
sensibilidade. Mas tudo isto é uma falácia. Nunca vivemos, não importa onde
estejamos, em apenas um dos pólos aqui colocados. Nunca somos ou conseguimos
ser apenas racionais ou irracionais. A nossa existência é um lugar de
comunhão extrema. De união interminável de contrários. A poesia opera nos
limites da linguagem e, portanto, não consegue fugir da estrutura
intelectual – às vezes fria – que dá corpo ao próprio tecido das palavras.
Não podemos nos esquecer que a linguagem é uma das maiores realizações
intelectuais do homem. A partir dela nasceram todas as outras conquistas
existenciais ou científicas. Quanto ao mais, antes de ingressar no curso de
Engenharia Civil, eu já me considerava vocacionado para a literatura. E já
cometia meus versos, é claro.
Iacyr: Eu me sinto demasiadamente ligado a essa história do grupo
Abre Alas e da revista D´Lira para poder avaliá-la com alguma isenção. Não
sei, portanto, o que pode ter significado, para a produção poética local, a
atuação do nosso grupo. Sei apenas o quanto a convivência com os muitos
poetas e escritores que tive a felicidade de encontrar em Juiz de Fora foi
essencial para a minha formação. Se tal atuação foi de fato relevante, de
algum modo, para o contexto cultural de Juiz de Fora ou do país, o futuro
dirá. Apesar disso, creio que, nestes casos, o muito que se fala em torno do
acontecimento de um grupo literário e de uma publicação importante, às vezes
até deformando essa importância, acaba alimentando certos mitos. O advento
dessas publicações axiais têm talvez maior relevância para os livros de
história da literatura do que, sob muitos aspectos, para a própria
literatura. No fundo, o que conta mesmo é a consolidação das obras
individuais. E isso eu acredito que não tenha faltado ao grupo que militou
no folheto Abre Alas e na revista D'Lira, felizmente.
Iacyr - Maturidade é trânsito, caminho percorrido com atenção e
cuidado, sob a mira de uma autocrítica feroz. Sem essa autocrítica não
amadurecemos. E esse processo é muitas vezes doloroso e difícil. Como a
nossa própria vida, aliás. Sempre revisei, sempre reescrevi meus poemas.
Acho, inclusive, que não encontrei a chave, o corpo ideal, de muitos dos
textos que publiquei. Por isso estou sempre buscando e por isso acredito que
o melhor poema é aquele que ainda não escrevi.
Iacyr - Com relação à influência, no processo de criação poética, das
inovações decorrentes dos avanços tecnológicos, particularmente oriundos da
informática, tenho sempre dito que há muita balela circulando nos segundos
cadernos da vida. Tem muita gente boa confundindo o veículo com a obra, a
parte com o todo. Apesar da extensa parafernália terminológica, o texto
poético ainda continua sendo criado hoje a partir dos mesmos núcleos
motivadores que estimularam Safo ou Alceu, por exemplo, na Grécia do século
VII a. C. Guardadas as devidas proporções, a literatura tem se revelado como
uma série notável de variações sobre uma pequena quantidade de temas. Temas
fundantes, que dominam nossa existência.
Iacyr: Devemos considerar, ampliando o antagonismo, que a poesia tem
cumprido o difícil papel de, em tempo de tamanho desencanto, resgatar o
mistério do mundo, resgatar a certeza de que, na verdade, as grandes
questões existenciais não foram em nada resolvidas, mas apenas dissimuladas
pela tralha tecnológica. A poesia assume, neste sentido, uma estranha
posição de combate, mantendo viva a voz da origem, vivos os mil fogos do
imaginário, bem como a percepção da fragilidade e do desamparo do homem de
nossos dias. Tal postura fixa um importante lugar de resistência à
degradação fomentada pelo consumismo massificatório.
Iacyr: Exercício estrangeiro teve de passar pelo mesmo
processo de seleção que gravou as demais obras inclusas na antologia. Não
poderia ser diferente. Mas ele é um livro especial para mim neste momento,
pois inclui quase tudo o que escrevi desde o final de 1993 até agora, já que
o Mirante foi um trabalho de pouca extensão, redigido quase que
inteiramente durante dois meses de 1999 e editado, num volume artesanal e
de circulação restrita, pouco tempo depois, no final daquele mesmo ano.
Logo, espero poder publicar dignamente este conjunto inédito de composições.
A edição e a distribuição do Oceano coligido me agradaram. Penso que
Exercício estrangeiro merece a mesma sorte, mas as dificuldades são
muitas. Quando falamos em publicação de poesia, tudo é dificuldade.
Iacyr - Quase todos os grandes poetas modernistas praticaram – alguns
com admirável intensidade e maestria – o soneto. Essa espécie lírica
responde por boa parte do que de melhor se escreveu, em termos de poesia,
até hoje. E não é por acaso que continua sendo fortemente cultivada também
pelos poetas mais jovens. Aliás, esses mesmos grandes poetas modernistas
eram admiradores fiéis de alguns dos ícones que eles, naquele momento de
instauração de uma nova atmosfera lírica, combatiam. Bilac serve de exemplo.
Basta coletar alguns dos testemunhos do Manuel Bandeira, do Drummond e do
próprio Mário de Andrade, um dos articuladores da Semana de Arte Moderna de
1922. Ora, como estratégia de luta, era muito natural que o conteúdo das
querelas tomasse o tom partidário que acabou trilhando. O evento de 1922
transformou beneficamente o panorama cultural do país, sacudiu a poeira das
conveniências – e nenhuma transformação desse quilate se dá sem choques, sem
contendas, sem ataques de parte a parte. Isso é natural, volto a dizer, e
faz parte daquele instante de inauguração, em que se colocava em foco,
inclusive, a questão intrincada da nossa identidade nacional. Mas quem não
incluiria alguns dos sonetos de Bilac entre as maiores realizações da lírica
de língua portuguesa de todos os tempos? Só mesmo alguns pobres diabos que,
agarrados aos manifestos e palavras de ordem daquele momento peculiar da
história cultural de nosso país, esqueceram-se do fundamental: ler. Ler as
produções dos poetas ali envolvidos, atentar para o que efetivamente move o
fenômeno literário: as obras. Ler de coração aberto, apenas isso, sem
alimentar o discurso anacrônico de boa parte dos cursinhos pré-vestibulares
que grassam pelo nosso país afora.Conteúdo Recomendado