SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma inflamação interna do ânus que pode levar a dor intensa vem sendo associada à infecção pelo vírus da varíola dos macacos. Chamada de proctite, ela também pode provocar tenesmo (vontade constante de evacuar, mesmo que não ocorra) e sangramento no reto. Em alguns casos, é necessário o uso de remédios para aliviar a dor da inflamação.
A proctite afeta o canal anal e o reto, localizados no final do tubo digestivo. O problema aparece por diferentes razões, principalmente por infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). No entanto, uma das causas mais recentes da proctite é a varíola dos macacos.
Um estudo, publicado na última segunda (8) na revista The Lancet, observou sintomas e complicações ocasionadas pela varíola dos macacos em 181 pacientes espanhóis. Entre eles, cerca de 25% registraram a proctite. A maior parte desses tinha histórico de relação anal receptiva.
O dado reafirma a hipótese de que o aparecimento da proctite em razão da varíola dos macacos envolve cenários em que a infecção ocorre no contato íntimo durante o sexo.
José Ricardo Coutinho, membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Coloproctologia), concorda com essa explicação, até porque grande parte das transmissões estão ocorrendo por meio do contato sexual.
"Acredita-se que seja pela forma como essa doença está sendo transmitida", afirma Coutinho, que não assina o novo estudo.
Por meio do contato íntimo e prolongado durante o sexo anal, o vírus teria uma porta de entrada para infectar o organismo humano. Por isso, haveria o aparecimento das complicações de forma precoce nessa região do corpo, como no caso da proctite.
"Eu acho que é pela via em que ocorre a infecção", resume o médico.
Para ele, o aparecimento da proctite está mais relacionada com a prática sexual anal em homens que fazem sexo com outros homens -grupo com maior número de casos da varíola dos macacos. Na pesquisa recém-publicada, o dado também é apontado: dos 181 participantes, 162 eram homens que tinham relações sexuais com outros homens. Por isso, Coutinho diz que é preciso alertar essa comunidade para estar atenta à complicação.
No entanto, a infecção por varíola dos macacos não ocorre somente durante o sexo e não atinge só esses homens. A transmissão ocorre principalmente pelo contato direto com as lesões que os pacientes apresentam na pele. Exemplos de que a doença pode atingir qualquer pessoa são os casos já registrados em crianças e em adultos sem histórico de relação sexual recente.
O ponto também é um lembrete da necessidade de evitar estigmas contra a população de homens que mantêm relações sexuais com outros homens, aspecto já apontado por entidades de saúde, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids).
Dificuldades no diagnóstico A proctite em decorrência da varíola dos macacos pode atrasar o diagnóstico da doença, afirma Coutinho. Segundo ele, a inflamação retal normalmente é associada a ISTs, como clamídia e gonorreia.
O cenário pode fazer com que tanto pacientes quanto profissionais de saúde suspeitem de outras doenças para explicar o surgimento da inflamação anal em vez de presumir que seria um caso de varíola dos macacos.
Para Coutinho, isso gera receio de casos de varíola dos macacos que poderiam ser subnotificados.
Um caso semelhante já foi reportado em uma matéria da revista norte-americana The New Yorker. A reportagem acompanhou um homem que apresentou lesões internas no ânus e teve dificuldade para realizar o teste do vírus da varíola dos macacos por não manifestar as feridas na pele. Ao fim, o paciente conseguiu fazer o exame e realmente tinha sido infectado pelo patógeno.
No Brasil, a proctite já é considerada como uma manifestação que indica suspeita para a varíola dos macacos. Segundo o plano de contingência nacional para a doença do Ministério da Saúde, a apresentação da proctite já põe a pessoa como um caso suspeito da varíola dos macacos, mesmo que ela não apresente lesões em outras partes do corpo.
DIFERENÇAS DO SURTO ATUAL
O desenvolvimento da proctite é uma entre outras apresentações da varíola dos macacos que normalmente não eram observadas em casos anteriores.
Uma particularidade do surto atual é a concentração das lesões típicas da varíola dos macacos na região genital e perianal. No estudo espanhol recém-publicado, cerca de 78% dos pacientes apresentaram esse quadro.
A hipótese para explicar essa diferença é a mesma nos casos de proctite: como grande parte das infecções estão associadas com o contato íntimo durante o sexo, a concentração das feridas na região genital e anal ocorre de modo mais recorrente.
Outra diferença dos novos diagnósticos é o aparecimento de lesões sutis que muitas vezes geram confusões para outras doenças. Um paciente, por exemplo, até pensou que a ferida causada pela infecção fosse uma espinha. Esse quadro clínico, assim como no caso da proctite, pode atrasar o diagnóstico da varíola dos macacos e preocupa especialistas.
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