SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na rodovia que leva à entrada principal do Parque Estadual do Juquery há cheiro de queimado. Colunas de fumaça despontam nos arredores. Tudo, por sorte e pelo menos por enquanto, fora do último fragmento de cerrado da região metropolitana de São Paulo, vítima de um incêndio brutal que, há um ano, consumiu mais da metade de sua área.
"Tem fumaça no horizonte." Esse é um dos alertas que circulam nos rádios do parque do Juquery. Quando o aviso vem, inicia-se a verificação de onde está o fogo.
Na tarde da última quinta (18), do alto do oscilante mirante do parque, via-se uma coluna de fumaça branca no horizonte, ao lado do Morro Ovo da Pata, uma das atrações da área protegida.
"Está longe", diz Francisco Honda, gestor do parque. O aviso tinha partido de um dos vigilantes que circulam de moto dia e noite pela área protegida.
O parque é cercado pelo fogo, principalmente o que vem dos céus, mais especificamente de balões. Um desses objetos voadores foi a fonte do grande incêndio do ano passado. Segundo Honda, só neste ano 54 balões entraram no parque e tiveram que ser "resgatados".
O "resgate" significa, basicamente, perseguir o balão e evitar que ele toque o chão e cause um princípio de incêndio. E isso, logicamente, nem sempre é possível.
Perto de completar um ano do incêndio anterior, na noite do dia 4 para 5 de agosto, um balão caiu dentro do parque e as chamas se iniciaram. A ação da equipe foi rápida o suficiente para somente cerca de 1 hectare queimar antes de as chamas serem controladas.
O trabalho de perseguir balões é responsabilidade dos vigilantes motorizados do parque. As motos receberam adaptações para carregar as "vassouras de bruxa", abafadores com hastes longas para combater rapidamente pequenos focos de fogo. Marco de Araújo é um dos perseguidores de balões.
"Eu já perdi [a conta]. Já catei muito balão, acima de 50", diz o vigilante, que trabalha há cinco anos no parque. "Final de semana é terrível." Os meses de junho, julho e agosto costumam ser os de maior preocupação para a queda de balões, que, na maior parte das vezes, são de pequeno porte --mas, ainda assim, potenciais causadores de incêndios.
Araújo mora nos arredores. Quando o grupo de mensagens da área de proteção começa a apitar constantemente (o som, inclusive, é diferente), o vigilante diz que já corre para ver se é fogo e se a equipe de plantão precisa de ajuda.
Fabricar, vender, transportar ou soltar balões é crime ambiental, com possibilidade de pena de prisão de 1 a 3 anos e/ou multa.
Os balões chegam ao parque de diversas zonas da cidade, segundo Honda. Isso significa que não é um problema só da região em que o parque está, próximo aos municípios de Franco da Rocha e Caieiras.
O gestor da unidade de conservação diz que há um trabalho constante de educação ambiental com as pessoas da região, que são o principal público frequentador da área protegida.
E o contato com a população dos arredores é essencial para o parque, que também é ameaçado por outras fontes de fogo. Por exemplo, em um dos lados da área protegida há uma comunidade chamada Nova Era onde há, constantemente, queima de lixo.
O combate ao fogo (todos os funcionários do local são treinados para isso) ocorre até mesmo em focos fora do parque, em casos de potencial de alastramento para a área de conservação.
Limpezas de pasto e oferendas religiosas, deixadas junto a velas, completam a lista de ameaças incendiárias ao parque.
QUEIMADO
O nome Juquery vem de uma planta (conhecida também como dorme-maria) que, ao ser tocada, fecha suas folhas. Algum tempo depois, elas voltam a abrir. Depois do cinza e preto do grande incêndio, agora predominam cores esverdeadas e terrosas na área protegida. Mas os sinais do fogo permanecem, especialmente em árvores maiores, que ainda estão com seus troncos escurecidos pelas chamas que os atingiram há um ano.
O cerrado é naturalmente mais adaptado ao fogo, em comparação a outros biomas. Mas essa regra é válida, principalmente, para incêndios naturais e de menor intensidade.
Nos vales (áreas entre morros) do parque, que concentram a vegetação de maior porte, os sinais do fogo são mais visíveis com pequenas árvores mortas e secas. São os "paliteiros", que formam uma espécie de cortina acinzentada.
No ano passado, o tempo contribuiu para o incêndio de grandes proporções. Além do ano seco, uma geada acabou secando ainda mais a vegetação. Havia uma condição conhecida como 30 30 30, que aponta um risco máximo de fogo, diz Honda. Isso significa que a temperatura estava acima de 30°C, a umidade abaixo de 30% e velocidade do vento acima de 30 km/h.
Não foi só a vegetação que sofreu com as chamas. "A flora do campo a gente vê que retorna", diz Honda. "E os insetos e os polinizadores? E os cupins e as formigas que são extremamente importantes para o bioma cerrado? E a produção de água?"
Da mesma forma que a vegetação se recuperou, a vida animal do parque também parece reocupar o espaço, após a fuga das chamas no ano passado.
Honda conta que ornitólogos que visitaram a área, recentemente, conseguiram avistar mais de 30 espécies de aves em somente duas horas.
Segundo a Sima (Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo), os 250 incêndios florestais registrados em 2021 no estado foram majoritariamente (75%) causados por pessoas. Foram queimados, ao todo, mais de 24 mil hectares de floresta, dos quais mais 15 mil dentro de áreas protegidas.
Só o parque do Juquery e seu entorno imediato tiveram registro de nove incêndios no ano passado. O maior deles, de agosto, queimou mais de 900 hectares dos cerca de 2.000 hectares da área protegida.
A Sima afirma que, neste ano, 187 pessoas foram autuadas e quatro fábricas clandestinas de balões foram fechadas. São Paulo tem, anualmente desde 2010, a chamada Operação Corta-Fogo, visando especificamente reduzir incêndios pelo estado. Essa operação está desde junho em sua fase vermelha (que se estende até outubro), momento no qual a fiscalização é reforçada.
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